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TEMPO ATÓMICO - UMA (MUITO BREVE) INTRODUÇÃO AOS RELÓGIOS ATÓMICOS

Atualizado: 21 de set.

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Os relógios atómicos são os instrumentos de medição do tempo mais precisos alguma vez criados pelo ser humano. Baseiam-se na física quântica dos átomos para definir o segundo com uma exactidão capaz de sustentar o GPS, sincronizar redes digitais, garantir a segurança de sistemas globais e abrir caminho a novas descobertas científicas. Do césio-133 aos relógios ópticos em desenvolvimento, os relógios atómicos representam a união entre teoria e tecnologia, entre a estabilidade da matéria e a necessidade universal de medir o tempo com rigor absoluto.



Vídeo integral da conferência


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Resumo dos conteúdos



O texto que se segue é o resumo da RODA dedicada ao Tempo Atómico, realizada no passado dia 18 de Setembro, no Museu Medeiros e Almeida, em Lisboa. Nesta sessão, Joana Ferreira apresentou os agradecimentos por parte do Museu Medeiros e Almeida, Nuno Margalha por parte do IPR - Instituto Português de Relojoaria e Miguel Lino apresentou, em cerca de 1h30, uma explicação possível e acessível sobre o fascinante universo do Tempo Atómico, o tempo dos nossos dias.



Parte 1 — O que é um Relógio Atómico? O que é um Átomo?


1) O conceito de tempo

Antes de definir o relógio atómico, convém abordar o próprio conceito de tempo. O tempo pode ser entendido como o período durante o qual um evento, processo ou condição existe ou evolui; como a progressão contínua de eventos aparentemente irreversível; como aquilo que se lê num relógio; ou até como uma construção social, uma ilusão. Estas perspectivas mostram que o tempo é simultaneamente uma realidade física e uma convenção humana. Os instrumentos de medição permitem unir estas duas dimensões, e o relógio atómico é o mais sofisticado entre eles.


2) O que é um relógio atómico

Um relógio atómico é um instrumento que utiliza átomos para medir o tempo. O princípio de funcionamento não assenta num pêndulo, numa roda de balanço ou num cristal de quartzo, mas numa transição interna do átomo, capaz de fornecer uma frequência de referência. Exemplos de padrões primários actuais incluem o Microchip 5071A, um relógio de césio que ilustra esta categoria de instrumentos.


3) O segundo no Sistema Internacional

Durante séculos, o segundo foi definido como uma fracção do dia médio solar, equivalente a 1/86 400 de uma rotação da Terra. Mais tarde, em 1960, passou a ser definido como 1/31 556 925,9747 do ano tropical de 1900. Estas definições eram astronómicas e sofriam limitações, uma vez que a rotação da Terra não é completamente regular.

Em 1967, a definição mudou radicalmente: o segundo passou a ser a duração de 9 192 631 770 períodos da radiação correspondente à transição hiperfina do estado fundamental do átomo de césio-133. Em 2018, foi ainda acrescentada a nota de que essa transição deve ser medida no estado fundamental não perturbado do átomo. Este salto retirou a unidade de tempo da esfera da astronomia e colocou-a no domínio da física atómica, garantindo maior estabilidade e universalidade.

A linha histórica mostra esta evolução: em 1657, o relógio de pêndulo tornou possível medir segundos de forma consistente; cerca de 1874, os sistemas já permitiam uma leitura mais precisa; em 1927, os relógios de quartzo surgiram como alternativa estável; e, finalmente, em 1967, o padrão internacional do segundo ficou ancorado ao césio-133. É importante lembrar ainda que o conceito de segundo, como subdivisão do tempo, tem origem no sistema sexagesimal da Antiguidade, uma divisão puramente matemática usada para seguir os corpos celestes.


4) O que define um padrão

Para que uma definição seja aceite como padrão, precisa de cumprir quatro requisitos essenciais: deve ser universal, isto é, independente de tempo e lugar; deve ser reprodutível, replicável em qualquer laboratório com os equipamentos adequados; deve ser invariante, não se alterando com o tempo; e deve ser preciso, fornecendo a mais alta exactidão possível. Além disso, um padrão deve resultar de acordo internacional, de modo a ser aceite de forma abrangente. O átomo, por apresentar transições bem definidas e estáveis, satisfaz estas condições.


5) O lugar do segundo no SI

O segundo é uma das sete unidades fundamentais do Sistema Internacional de Unidades. As restantes são: candela (intensidade luminosa), kelvin (temperatura), ampere (corrente eléctrica), metro (comprimento), quilograma (massa) e mole (quantidade de substância). Cada uma destas unidades tem uma definição associada a uma constante fundamental ou fenómeno físico invariável. O segundo, ao ser definido pela frequência da transição hiperfina do césio-133, encontra-se no mesmo patamar de rigor que estas outras grandezas.


6) O que é um átomo

O átomo é a unidade elementar que mantém as propriedades de um elemento químico. É constituído por um núcleo formado por protões e neutrões, em torno do qual orbitam electrões. Historicamente, o modelo de Bohr, de 1920, introduziu a ideia de níveis de energia discretos, em que os electrões podiam saltar de uma órbita para outra, libertando ou absorvendo energia proporcional à frequência de um fotão. Em 1925, o modelo de Schrödinger descreveu os electrões não como partículas em órbitas fixas, mas como distribuições de probabilidade, os chamados orbitais.

As transições electrónicas são fenómenos quantificados: sempre que um electrão muda de nível, há emissão ou absorção de energia proporcional a uma frequência definida, de acordo com a relação de Planck-Einstein. Isto significa que cada átomo possui uma espécie de assinatura única, uma “nota” de frequência que pode servir de referência.


A transição hiperfina

Entre as transições possíveis, a hiperfina é a mais estável. Resulta da interacção entre o momento magnético do núcleo e o dos electrões. Esta transição é muito menos sensível a distúrbios externos como campos magnéticos, campos eléctricos, pressão ou temperatura. É justamente a transição hiperfina do césio-133 que define o segundo, devido à sua estabilidade e regularidade.


7) Critérios para que um átomo seja usado como referência

Para que um átomo ou isótopo seja adoptado como referência temporal, deve reunir certas condições: possuir níveis de energia estáveis e definidos; apresentar uma transição específica e mensurável; mostrar insensibilidade a influências externas como temperatura e campos magnéticos; ter uma transição de alta frequência, que aumenta a precisão possível; e ser estável a longo prazo.

O césio-133 cumpre estes requisitos. A sua transição hiperfina é de alta frequência, extremamente estável e facilmente mensurável. O valor exacto de 9 192 631 770 Hz corresponde à duração de um segundo.


Cs – Césio - Metal alcalino altamente reativo em contacto com o ar
Cs – Césio - Metal alcalino altamente reativo em contacto com o ar


8) Porquê o césio-133

A frequência das transições electrónicas varia de átomo para átomo, uma vez que depende do número de protões no núcleo e das interacções entre os electrões. Entre todos, o césio-133 destaca-se por reunir as condições ideais para servir como padrão de tempo: a sua transição hiperfina possui uma frequência elevada, estável e facilmente mensurável, o que permite alcançar níveis de precisão consistentes e universalmente reproduzíveis. Acresce que é um isótopo estável, não radioactivo e disponível em quantidades adequadas, características que tornam viável a sua utilização à escala internacional.

Do ponto de vista químico, o césio é um metal alcalino altamente reactivo ao contacto com o ar, facto que exige cuidados rigorosos de manuseamento e armazenamento. Esta reactividade, porém, não afecta a sua função como referência metrológica.

É importante sublinhar que o césio-133 não é a única espécie atómica usada em relógios de referência. Masers de hidrogénio desempenham também um papel essencial, sobretudo como padrões de estabilidade a curto prazo, complementando o césio no estabelecimento das escalas internacionais de tempo.

Outros elementos encontram aplicação em diferentes arquitecturas. Nos relógios de micro-ondas, o rubídio é frequentemente utilizado como alternativa prática em sistemas portáteis e comerciais. Já nos relógios ópticos, actualmente em desenvolvimento e aperfeiçoamento, recorrem-se a átomos como o estrôncio, o itérbio e o alumínio, cujas transições ópticas, de frequência muito mais elevada do que as do césio, oferecem potencial para ultrapassar de forma significativa a precisão actualmente alcançada.

Apesar destes avanços e do interesse crescente em torno dos relógios ópticos, o césio-133 permanece o padrão oficial internacional para a definição do segundo, reconhecido pelo Sistema Internacional de Unidades e sustentado por décadas de utilização em metrologia de tempo e frequência.


9) Síntese da Parte 1

Um relógio atómico é um instrumento que utiliza átomos para medir o tempo, servindo-se da transição electrónica hiperfina como referência. Essa referência traduz-se numa frequência específica e extremamente estável. Os relógios atómicos de césio-133 são aqueles que definem a unidade fundamental do tempo: o segundo.

O átomo, por sua vez, é a unidade elementar da matéria que conserva as propriedades de um elemento. Os electrões orbitam o núcleo em níveis discretos, e as suas transições entre níveis libertam ou absorvem energia proporcional a frequências exactas. É esta propriedade que permite utilizar os átomos como padrões universais para a medição do tempo.



Parte 2 — Precisão e Usos dos Relógios Atómicos


1) A busca da precisão

A história da medição do tempo pode ser lida como uma sucessão de esforços para reduzir o erro. O ser humano sempre procurou instrumentos que lhe permitissem organizar a vida social, a agricultura, a navegação e a ciência com maior rigor. Da observação do Sol até ao laser aplicado em relógios ópticos, a cronologia revela uma progressão em direcção à exactidão.

O relógio solar dos egípcios, por volta de 1176 a.C., permitia regular actividades diárias e religiosas, mas apresentava erros da ordem de horas. O relógio mecânico medieval, surgido por volta de 1300 na Europa, reduziu essa margem para cerca de 15 minutos por dia, útil sobretudo para fins religiosos e científicos. Em 1657, com o relógio de pêndulo de Christiaan Huygens, a precisão atingiu cerca de um minuto por dia, permitindo um salto significativo.

O cronómetro H4, criado por John Harrison em 1759, alcançou uma precisão de décimos de segundo por dia e revolucionou a navegação marítima. No século XIX e início do século XX, os relojoeiros foram afinando mecanismos, mas em 1927 surgiu uma nova solução: o relógio de quartzo, desenvolvido por Marrison e Horton, que reduziu o erro para microssegundos por dia, viabilizando aplicações industriais, transportes e telecomunicações.

A grande viragem deu-se a partir de 1948, quando Isidor Rabi e Harold Lyons abriram caminho para o relógio atómico. Com ele, a precisão passou a ser de algumas décimas de segundo por ano, rapidamente refinada até valores como 1 segundo em milhões, e hoje até biliões, de anos. Em 1955, Louis Essen e Jack Parry construíram o primeiro relógio atómico de feixe de césio, fixando definitivamente a base para a redefinição do segundo.



© Miguel Lino
© Miguel Lino
2) Tipos de relógios atómicos

Os relógios atómicos não constituem um grupo homogéneo: existem diversas tecnologias que funcionam em diferentes gamas de frequência e energia.


© Miguel Lino
© Miguel Lino

Na categoria dos relógios de micro-ondas incluem-se:

  • Beam (feixe atómico de césio), a tecnologia clássica.

  • Fountain (fonte atómica), em que átomos arrefecidos são lançados verticalmente e atravessam a cavidade de micro-ondas em queda livre.

  • Maser de hidrogénio, que utiliza micro-ondas geradas em ressonância por átomos de hidrogénio.

  • Célula de vapor (vapor cell), mais compacta e aplicável em dispositivos de menor escala.

Na categoria dos relógios ópticos encontram-se:

  • Redes ópticas (lattice clocks), em que átomos ficam aprisionados numa rede de luz laser.

  • Iões aprisionados (trapped ions), onde um ou poucos iões ficam confinados em armadilhas electromagnéticas.

  • Relógios nucleares ou de estado sólido, ainda experimentais, que exploram transições de energia a escalas ainda mais elevadas.

Os relógios de micro-ondas utilizam frequências da ordem dos gigahertz, enquanto os ópticos operam em escalas muito superiores, chegando aos terahertz ou petahertz. Por isso, os relógios ópticos conseguem uma precisão ainda maior, chegando a margens de erro de apenas um segundo em centenas de biliões de anos.



3) O que limita a precisão

É intuitivo pensar que quanto maior a frequência de referência, maior a precisão do relógio. Mas nem sempre este raciocínio se cumpre de forma directa. Outros factores interferem no funcionamento:

  • Nos relógios mecânicos, as perturbações incluem temperatura, gravidade, fricção, impactos e qualidade de construção.

  • Nos relógios de quartzo, a temperatura, o envelhecimento, a capacitância e a energia disponível têm influência.

  • Nos relógios atómicos, surgem efeitos relativísticos, campos magnéticos e envelhecimento dos componentes electrónicos.

Existem erros sistemáticos, que podem ser previstos e corrigidos, e erros aleatórios, que exigem modelos probabilísticos. Em qualquer caso, os relógios atómicos superam largamente as alternativas, mas ainda assim não são perfeitos.



4) Para que servem os relógios atómicos

A utilidade dos relógios atómicos é vasta e crítica para o funcionamento da sociedade contemporânea.


Padronização

Os relógios atómicos definem a unidade de tempo no Sistema Internacional. O segundo é estabelecido pela transição hiperfina do Cs-133, e esta padronização assegura consistência global. Sem um padrão único e universal, cada país ou cada sistema poderia derivar com o tempo, criando discrepâncias inaceitáveis na ciência, na indústria e no quotidiano.


Navegação

Os sistemas de navegação por satélite, como o GPS e outros GNSS, dependem totalmente de relógios atómicos instalados nos satélites. A diferença de tempo entre o sinal emitido pelo satélite e o recebido pelo dispositivo (um telemóvel, por exemplo) permite calcular a posição do utilizador. Pelo menos quatro satélites são necessários para definir com rigor latitude, longitude e altitude. A precisão na medida do tempo traduz-se directamente em precisão na localização.


Sincronização global

A sociedade digital exige que a informação circule de forma sincronizada. Protocolos como o NTP (Network Time Protocol) permitem que computadores, servidores e redes partilhem um tempo de referência comum, baseado no UTC. Isto é fundamental para transacções financeiras, segurança digital, media, telecomunicações, reuniões online e streaming de conteúdos. Até a investigação científica depende desta sincronização para processar dados de forma coerente.


Segurança e defesa

Os relógios atómicos são também estratégicos. Permitem que países mantenham padrões internos independentes de redes internacionais, assegurando resiliência em caso de ataques ou falhas. São indispensáveis na coordenação de operações militares, na guerra electrónica e na encriptação de comunicações. Contribuem para a segurança de bases de dados, evitando falhas catastróficas, e permitem a sincronização de redes eléctricas, prevenindo apagões. A sua utilização em unidades de medição de fase garante a estabilidade das redes energéticas modernas.


Indústria e ciência

Na indústria, asseguram processos de fabrico e automação de alta precisão. Na ciência, tornam possíveis estudos de fenómenos extremamente rápidos ou subtis. Permitem investigações em física fundamental, experiências com relatividade, observações em rádio-astronomia e medições associadas à detecção de ondas gravitacionais. São, em suma, ferramentas indispensáveis para compreender melhor o universo e explorar novas tecnologias.



5) O UTC e a globalização do tempo

Para que o mundo mantenha uma hora coordenada, foi criada uma estrutura internacional. O Tempo Atómico Internacional (TAI) é a média ponderada de cerca de 450 relógios atómicos, distribuídos por 85 laboratórios em 80 países. Mensalmente, os dados são reunidos e processados para fornecer uma referência universal.

O Tempo Universal Coordenado (UTC) resulta do TAI, mas é ajustado à rotação da Terra através da escala UT1. Quando necessário, adicionam-se ou subtraem-se segundos intercalares para que o UTC não se afaste demasiado do tempo solar. O UTC foi reconhecido oficialmente em 1975 pela Conferência Geral de Pesos e Medidas e é hoje o padrão global para telecomunicações, transportes, redes digitais e quase todas as áreas dependentes da sincronização.

Actualmente, a diferença entre UT1 e TAI ronda algumas dezenas de segundos, o que justifica o mecanismo dos segundos intercalares. O UTC é, assim, a expressão mais concreta da colaboração internacional em torno do tempo.



6) Síntese da Parte 2

Os relógios atómicos são hoje os instrumentos de medida do tempo mais precisos de que dispomos. Dividem-se em dois grandes grupos, de micro-ondas e ópticos, com várias tecnologias adaptadas a diferentes finalidades. A sua precisão varia de 1 segundo em milhares de anos até 1 segundo em centenas de biliões de anos.

O seu papel vai muito além da teoria: garantem a padronização de unidades, possibilitam a navegação global, asseguram a sincronização de redes digitais e de telecomunicações, reforçam a segurança nacional e internacional, e tornam possíveis avanços científicos e industriais.

São também fruto de uma colaboração internacional exemplar, envolvendo 80 países e centenas de relógios que, em conjunto, sustentam o Tempo Atómico Internacional e o Tempo Universal Coordenado. Sem relógios atómicos, a vida moderna, tal como a conhecemos, seria impossível.


Parte 3 — Como Funciona um Relógio Atómico

1) O princípio fundamental

Um relógio atómico não “gera” o tempo a partir do átomo: o que faz é usar o átomo como diapasão de referência para afinar um oscilador electrónico, geralmente de quartzo. O oscilador fornece um sinal eléctrico (por exemplo 10 MHz), que pode depois ser convertido em 1 Hz, correspondente a um segundo. O papel do átomo é manter o oscilador constantemente corrigido, de forma a que este nunca se desvie.

A arquitectura clássica que melhor ilustra este processo é a do relógio de feixe de césio. O modelo pode parecer complexo, mas cada etapa tem um objectivo preciso.



2) Os elementos principais

© Miguel Lino
© Miguel Lino

O átomo

A base é o isótopo de césio-133, estável e não radioactivo, que se obtém a partir do mineral pollucite. É este átomo que contém a transição hiperfina usada como padrão.


O forno atómico

O primeiro passo é transformar o césio sólido num feixe de átomos. Isso faz-se num forno atómico, que aquece o material até o vaporizar. O feixe é colimado, ou seja, organizado em trajectórias paralelas, através de microcanais. O forno funciona em regime de fluxo molecular, permitindo que os átomos saiam sem choques excessivos.


O vácuo

O feixe entra numa câmara de ultra-alto vácuo (UHV), inferior a 10⁻⁹ mbar. Este ambiente evita colisões entre os átomos de césio e as moléculas de ar, preservando a coerência do feixe.


Filtro magnético A

Um íman, semelhante ao dispositivo de Stern–Gerlach, selecciona apenas os átomos no estado fundamental correcto. É um processo de filtragem de estados quânticos: só os átomos desejados seguem adiante.


Cavidade de radiofrequência

O coração do sistema é a cavidade de radiofrequência de Ramsey. Aqui, ondas de radiofrequência interagem com os átomos. O sinal de RF provém de um oscilador de quartzo controlado por tensão (VCXO) e passa por um sintetizador e um misturador de frequência. A cavidade aplica energia aos átomos, induzindo a transição hiperfina se a frequência estiver correctamente ajustada. O alvo é alinhar o sinal do oscilador com a frequência natural da transição: 9,192 631 770 GHz.


Sintetizador e misturador de frequência

O sintetizador converte a frequência base (por exemplo, 10 MHz do oscilador) em valores muito mais elevados, na gama dos gigahertz. O misturador permite ajustar finamente o sinal, até corresponder exactamente à frequência da transição hiperfina do césio.


Filtro magnético B

Depois da cavidade, um segundo filtro magnético selecciona os átomos que passaram efectivamente para o nível superior da transição. Tal como no filtro inicial, é um mecanismo de selecção de estados.


Detecção

Segue-se a detecção, feita por ionização. Os átomos são ionizados ao colidirem com um fio aquecido (hot wire) e os iões gerados são recolhidos por um colector de iões (Faraday cup). O número de átomos detectados traduz-se num sinal eléctrico, indicador da eficiência da transição.


Amplificação e comparação

O sinal de saída é amplificado e comparado com o sinal do misturador de frequência. A diferença entre ambos revela-se como uma diferença de voltagem. Se não houver diferença (ΔV = 0), significa que o oscilador de quartzo está perfeitamente sintonizado com a frequência de transição do césio. Se houver desvio, a voltagem serve para corrigir automaticamente o VCXO.


Saída de frequência

O oscilador corrigido fornece uma saída estável de 10 MHz, que pode ser convertida por um divisor de frequência em 1 Hz, ou seja, um pulso por segundo. Este é o sinal utilizável, que alimenta sistemas electrónicos, redes de telecomunicações, satélites e toda a infraestrutura dependente de tempo preciso.



3) Exemplos históricos

O primeiro relógio atómico de césio foi construído em 1955 por Louis Essen e Jack Parry. Poucos anos depois, em 1959, surgiu o NBS-1 nos Estados Unidos. Em 1972, a Hewlett-Packard lançou o modelo 5061A, um padrão comercial que se tornou icónico e largamente usado em laboratórios e telecomunicações.

Ao longo das décadas, os relógios de feixe foram sendo substituídos por fontes atómicas, iões aprisionados e, mais recentemente, relógios ópticos. Contudo, o feixe de césio continua a ser a base do padrão internacional do segundo.



4) Variações modernas e miniaturização

Os relógios de feixe tradicionais consomem entre 20 e 40 W e atingem uma precisão de cerca de 1 segundo em 3,17 milhões de anos. Mas a miniaturização abriu novas possibilidades: os chamados Chip-Scale Atomic Clocks (CSAC), baseados em técnicas como Coherent Population Trapping (CPT), têm dimensões reduzidas e consumos de apenas 100 mW. Embora menos precisos (da ordem de 1 segundo em 3,17 mil anos), são suficientemente estáveis para aplicações móveis, portáteis e militares.

O CPT baseia-se num fenómeno curioso: quando os átomos entram num estado energizado específico, deixam de absorver energia e tornam-se transparentes à luz laser. Isto permite medir a frequência de forma mais compacta e eficiente.



5) Síntese da Parte 3

O funcionamento de um relógio atómico assenta numa arquitectura que combina física quântica e engenharia electrónica. O átomo de césio fornece a referência estável e invariável; o oscilador de quartzo, afinado continuamente por essa referência, gera o sinal utilizável.

O processo envolve etapas de preparação dos átomos (forno, vácuo, filtros magnéticos), excitação por radiofrequência, detecção do estado, comparação de sinais e correcção automática do oscilador. O resultado é uma frequência de saída precisa, convertida em segundos.


O átomo é o diapasão e o oscilador é o instrumento: juntos produzem a cadência exacta sobre a qual assenta a medição moderna do tempo.


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