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O Pirelóforo e o Rubi

Atualizado: 2 de mar. de 2023



Todos os relógios têm rubis. Todos sabemos que actualmente, estes não são rubis naturais. Felizmente também todos já sabemos que a qualidade de um relógio não se mede pelo número de rubis. Ainda assim, há muito por desvendar acerca deste assunto. Sabia que o vidro "cristal de safira" de um relógio é feito do mesmo material que os rubis artificiais? Sabia que os rubis são na verdade óxido de alumínio? A produção destes rubis artificiais, que encontramos actualmente nos relógios, só foi possível graças à criação de fornos muito potentes que atingiam os 2400ºc, no início de 1900. Por essa altura era também mundialmente sabido que o forno mais potente, (3800ºc) tinha sido criado por um padre português e chamava-se Pirelóforo.


UM MECANISMO DE RELOJOARIA


A primeira máquina foi montada na tapada da Ajuda, em Lisboa, atingiu 2000ºc e foi capaz de fundir basalto, a versão final atingia 3800ºc e era capaz de fundir todas as rochas ou metais. Porém o que nos interessa mesmo aqui é que este aparelho estava assente num complicado mecanismo de relojoaria que permitia que toda a estrutura acompanhasse o movimento do sol ao longo do dia, tal como a posição da caixa em relação aos reflectores.




O PIRELÓFORO


Na infância todos descobrimos que uma lupa ao sol pode tornar-se na mais terrível arma mortal, do ponto de vista de uma formiga. Pois bem, em 1904 na Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos, foi premiada uma invenção portuguesa que levava esta ideia ao extremo. Uma invenção capaz de fundir todas as rochas e todos os metais existentes, tudo isto apenas com a energia solar. O inventor foi o Padre Himalaya (Manuel António Gomes) originário de Cendufe e a invenção, o Pirelóforo. O Pirelóforo era constituido por um conjunto de espelhos em forma de parabólica que reflectiam a luz para um único ponto, numa caixa/forno, onde se colocavam os elementos para fundir. Porém, ao contrário da técnica da lupa, o Pirelóforo tinha 13 metros de altura e acompanhava os movimentos do sol mediante um mecanismo de relojoaria. Esta Exposição Universal foi nos EUA, em 1904 e o Pirelóforo tinha uma parábola de 80m2, 6177 espelhos e media 13m, é impressionante imaginar a logística toda necessária ao transporte e à montagem do aparelho. Numa das fotos acima é possível ver os sistema de espelhos de 13m de altura montado num navio. Segundo o próprio Padre Himalaya, todo este processo de transporte e montagem custou 40 contos fortes na época. A máquina embarcou em Maio de 1904 e ficou pronta e montada em Agosto desse ano.



ORGULHO PATRIÓTICO E O ROUBO DO PIRELÓFORO

No final da exposição de St. Louis o aparelho foi desmontado e guardado num armanzém, o Padre Himalaya passou os próximos 2 anos a estabelecer contactos com cientistas e em palestras pelos Estados Unidos. No regresso descobriu que apesar das enormes dimensões, o Pirelóforo havia sido roubado. Era uma invenção com bastante valor na altura. Ao longo da exposição, por orgulho patriótico recusou uma proposta para se naturalizar como Americano ou uma outra no valor de 350 contos, oferecida pelos Japoneses para comprar o aparelho.


AS PATENTES

Apesar do roubo do Pirelóforo, a patente foi registada nos EUA, com o número 707891, o que não impediu que aparelhos iguais de menor dimensão surgissem pelos EUA após o roubo em St. Louis. Em Portugal foi registado com a patente 3746. Aqui fica a tradução possível do texto e das fotos da patente americana:


PATENTE 707891 EUA


"Para todos aqueles que podem interessar:


Fiquem sabendo que eu, MANUEL ANTÓNIO GOMES HIMALAYA, engenheiro, súbdito do Rei de Portugal, residente na Rue de Buzenval 13, Boulogne-sur-Seine, Departamento de Sena, República da França, inventei um certo novo e útil Aparelho Solar para produção de altas temperaturas, do qual o seguinte é uma descrição completa, clara e exacta.


Esta invenção se refere a um aparelho solar para produção de altas temperaturas, particularmente nas pesquisas metalúrgicas e químicas que requerem o uso de temperaturas superiores às dos fornos comuns, incluindo o forno elétrico.


O aparelho compreende uma superfície refletora disposta para fazer com que os raios solares convirjam para "um foco confinado colocado no centro de uma fornalha, cadinho ou outro receptor, esta fornalha ou outro receptáculo, se assim se desejar, pode ser colocado completamente fora do sistema refletor .


Compreende, além disso, meios para ajustar ou definir o aparelho de modo a manter a convergência dos raios sobre o foco selecionado qualquer que seja a altura do sol acima do horizonte.


Compreende também um tipo de forno ou receptor de calor especialmente construído para o propósito de minha invenção.



Eu agora procuro descrever meu arranjo, fazendo referência aos desenhos anexos, nos quais a Figura 1 é uma seção através do eixo de um parabolóide de rotação ABG, da qual a parte próxima ao vértice é cortada ao longo de X Y perpendicularmente ao eixo e na qual um sector truncado ab 0 (Z, formando uma parte essencial do aparelho, é cortado. As Figs. 1, 1 e 1 são vistas que ilustram modificações na forma dos elementos que formam o reflector.

A Fig. 2 mostra em plano e sobre um escala reduzida o mesmo parabolóide truncado ABXY da Fig. 1 dividido em oito setores S a S montados sobre um eixo horizontal DD, dispostos perpendicularmente ao eixo do parabolóide de rotação ao nível do foco Z e apoiados por meio de duas colunas 1 1, passíveis de serem deslocadas sobre a pista circular 2.

A Fig. 3 mostra em planta e na posição de trabalho o setor parabolóide truncado abcd das Figs. 1 e 2, direcionando os raios solares dentro de um cadinho E, estando o sol vertical.


A Fig. 4 é uma secção vertical sobre a linha MN da Fig. 3.

A Fig. 5 é uma forma modificada da disposição mostrada a seguir.


A Fig. 6 (sem imagem disponível) É uma vista frontal do sistema refletor da Fig. 5 e em corte sobre a linha PQ da Fig. 1.

A Fig. 7 mostra, em parte vertical, dois sistemas refletores colocados costas um para o outro de maneira a formar dois focos em dois fornos simetricamente opostos.

A Fig. 8 é uma vista plana, em escala reduzida, do dispositivo mostrado na Fig. 7.



A característica essencial da invenção consiste no uso de uma superfície refletora formada por um setor de um parabolóide de rotação a 6 0 (Z, Fig. 1. capaz de refletir um lápis cônico de raios solares a 5 Z, Figs. 2 a 8, tendo um ângulo no vértice suficientemente agudo para que o foco Z seja formado no centro do forno ou outro receptor E e para produzir uma temperatura muito alta. Na verdade, o parabolóide de rotação e superfícies semelhantes, embora seja a forma ideal de aparato óptico para concentrar os raios solares em um foco fisicamente perfeito, não pode formar um foco capaz de uso prático, porque os raios refletidos atingindo o foco de todos os lados da figura não podem ser concentrados no centro de um forno ou receptor para aquecimento. Eles podem aquecer apenas ao redor e fora de um cadinho ou caldeira. Desta forma, as temperaturas desenvolvidas são relativamente pequenas, e as perdas de calor por radiação e reflexão são muito importantes. Minha invenção é baseada no princípio da resolução do parabolóide da rotação em tantas partes quantas sejam necessárias para obter uma porção de um parabolóide capaz de produzir um foco prático e facilmente utilizável em pesquisas metalúrgicas e em todos os ramos da testes industriais onde são necessárias temperaturas muito altas. Este resultado é obtido cortando no vértice um parabolóide de rotação sobre a linha XY, Fig. 1, e dividindo o frusturn parabolóide assim obtido em, por exemplo, oito partes ou setores S a S, Fig. 2, e ajustando adequadamente ou definindo um desses setores, como será A abertura ou são deste setor parabolóide ab 0 d, que para maior simplicidade chamarei de refletor, Figs. 1, 2 e 3 é de preferência cerca de quarenta e cinco graus, mas pode ser maior ou menor, de acordo com as circunstâncias. Este setor pode ser cortado em um ou mais lados ou em todos os lados, em tal caso assumindo a forma de um tronco de um setor parabolóide, que é o mostrado nos desenhos, ou um círculo, uma elipse, um polígono ou outra forma. Este refletor pode ser formado por uma ou mais partes 01 'elementos de um parabolóide, cuja forma pode ser variada, isto é, cada um dos elementos que formam o refletor pode ter a forma de um trapézio K, que é aquele ilustrado nas Figs. 1 a 8, ou de um círculo, Fig.1."



O RUBI SINTÉTICO





Três anos antes da apresentação do Pirelóforo, em 1902, August Verneuil alcançou um feito que iria alterar a relojoaria até aos nossos dias. Este químico francês professor do Conservatoire des Arts et Métiers de Paris, logrou criar pela primeira vez Rubis sintéticos por um processo de sinterização. A dificuldade na criação dos primeiros Rubis sintéticos, usados ainda hoje em dia em todos os relógios mecânicos, prende-se com o facto do material que os compõe, óxido de alumínio, ter de ser aquecido até 2400ºc. Só com a criação de um forno capaz de atingir estas temperaturas foi possível a criação deste novo material. Talvez se August Verneuil tivesse conhecido o Padre Himalaya e o Pirelóforo dele que atingia os 3800ºc, ambos tivessem beneficiado das descobertas um do outro.


RUBIS e VIDROS DE RELÓGIO


Os rubis sintéticos, bem como seus equivalentes naturais, são corindos, ou seja, óxido de alumínio. No processo de fabricação industrial, o componente básico alumina (óxido de alumínio) passa por uma série de operações, ou seja, purificação, aquecimento, fusão e cristalização, o que resulta em pedaços de rubi artificial em forma de pêra. O óxido de cromo é adicionado para obter a cor vermelha dos rubis naturais. No caso dos vidros de cristal de safira o método é o mesmo, porém, não é acrescentado óxido de cromo. A fabricação em larga escala de rubis permitiu a criação de quantidades abundantes dessas pedras sintéticas, mais homogéneas em qualidade do que as encontradas na natureza. O comércio de jóias leva a maioria dessas pedras. Na relojoaria, o custo dos rubis vinha principalmente da mão de obra necessária para perfurá-los e cravá-los, pois o custo da matéria-prima era relativamente baixo. Dito isto, deve-se notar que, do início ao produto final, cerca de 90% do rubi é destruído, sendo apenas os 10% restantes utilizáveis ​​​​para relógios. Até 1930, as pastilhas de rubi eram encaixadas no latão com jóias, mais tarde foi adoptada a técnica de cravá-las (pressionando) nas placas, reduzindo ainda mais os custos de produção.



Nota:

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Bibliografia e fontes



Documentário:


Artigos para download:

Revista Occidente 10-09-1906
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A highly innovative, high temperature, h
.
Download • 2.14MB
Portugal na Exposição Universal de 190
.
Download • 545KB
National Geographic - O Forno Solar de P
.
Download • 265KB

Blogues:




Referências:


ARAUJO, A, Lopes - Centenário do Nascimento do Padre

Manuel António Gomes Himalaia, Arcos de Valdevez, 1972.


COSTA, Avelino de Jesus da, "Verbete "Himalaia" in Dicionário de História de Portugal (Direcção de Joel Serrão), Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1965, vol. IL


GOMES, (HIMALAIA) - Manuel António, Mémoire descriptif déposé a Vappui de la demande d'un Brevet d' Invention (...) par Monsier Himalaya, (dactilografado), Paris, 1899.


GONÇALVES, José - O sábio inventor português Himalaia, Braga, s.d.


MESQUITA, Alfredo de - "O Padre Himalaya e o seu Invento", in Serões, n° 1,Livraria Ferreira e Oliveira, Lda., Lisboa, Julho de 1905,pp. 23-27,

New York Times - Edição de 12 de Março de 1905.


TINOCO, Alfredo, - "O Padre Himalaia - Um percursor português do aproveitamento da Energia Solair. O Pirelióforo", in Actas e Comunicações do / Encontro Nacional sobre o Património Industrial, vol II, pp. 95-108, Coimbra Editora, 1990.


VILLECHENON, Florence Pinot de - Les Expositions Universselles, P.U.F. Paris, 1992.


Hemeroteca Digital de Lisboa http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt


Occidente – Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro 29º ano; XXIX volume ; nº1003 – 10 nov. 1906


Serões – Revista mensal illustrada nº1 – jul. 1905


Portugal na Exposição Universal de 1904 – O padre Himalaia e o Pirelióforo; texto de Alfredo Tinoco; Cadernos de Sociomuseologia; nº 42 – 2012. Disponível em http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/4545


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