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Século XVIII, o século dos grandes relojoeiros (5ª Parte)

Por: Sílvio Pereira


 


 

Com este artigo iniciamos uma série dedicada aos extraordinários relojoeiros Franceses deste século. Começamos com chave de ouro, com uma das maiores famílias de relojoeiros que a França nos deu: a família Le Roy. Quer Julian, quer os seus filhos Pierre e Jean Baptiste e seus sobrinhos, todos contribuíram com as suas invenções, principalmente na construção de repetições, na melhoria dos mecanismos e no embelezamento dos relógios, sendo que, muitos deles ainda perduram na actualidade.

 


Royaume de france

No contexto da França do século XVIII, conhecido como o “Siècle des Lumières”, ou “Século das Luzes”, ocorreu uma transformação no universo dos relógios após a morte de Luís XIV. Com o início do reinado de Luís XV, testemunhamos uma redução no tamanho dos relógios, acompanhada por acabamentos estilísticos específicos.


Nos relógios desse período, surgiram mudanças únicas, como, por exemplo, o rebordo da placa traseira, frequentemente embelezado com uma linha ondulada, por vezes feita de prata. O sistema de corda frontal, característico dos relógios franceses, gradualmente cedeu espaço à introdução do sistema de corda traseira e ao uso de tampas protetoras contra poeira. Os mostradores, revestidos a cobre esmaltado, passaram por uma evolução, abandonando as cartelas e projeções que outrora decoravam as superfícies. Essas alterações conferiram-lhes um toque liso e uma aparência substancialmente mais plana, o que viria a concretizar-se em definitivo próximo do final do século.


Uma caraterística notável desse período foi a transformação do galo, que desempenhou um papel vital na redução das dimensões dos movimentos dos relógios. Por volta de 1720, surgiram as “orelhas”, proeminências localizadas nas laterias da caixa do relógio, permitindo a fixação de pulseiras ou braceletes. Entretanto, à medida que o tempo avançava, tanto o mostrador regulador como o galo quase se igualaram em tamanho, enquanto as “orelhas” gradativamente desapareceram.


Estas mudanças testemunham a elegância e a funcionalidade convergindo no design dos relógios do século XVIII, refletindo a sensibilidade artística e a evolução técnica que marcaram esse momento histórico da relojoaria.



Da esquerda para a direita: grandes, médio grandes, médios, e pequenos galos franceses. Típica também a mudança no estilo decorativo de elaborados arabescos naturalistas para formas mais 'rocaille', influenciadas pelo estilo rococó francês, como visto na foto mais à direita.

O escape de cilindro criado por George Graham foi alvo de críticas por parte dos relojoeiros franceses, que expressaram preocupações sobre a sua fiabilidade. Esses artesãos viam o escape de cilindro como menos robusto em comparação ao escape de âncora. No entanto, apesar das críticas iniciais, a maioria dos relojoeiros franceses vieram a incorporar o escape de cilindro nas suas próprias criações, evidenciando uma mudança de perspetiva e reconhecimento das suas qualidades.

 

Julien Le Roy e o seu filho Pierre Le Roy realizaram muitas experiências com pequenas modificações no escape de cilindro. Subsequentemente, relojoeiros, como Jean Antoine Lépine e Abraham Louis Breguet, introduziram inovações como a roda de escape e aperfeiçoaram o escape de âncora, originalmente concebido por volta de 1755 pelo relojoeiro inglês Thomas Mudge. Aproximadamente em 1760, pode ser atribuída uma notável influência à colaboração de Pierre Le Roy com relojoeiros ingleses, notavelmente evidenciada por Ferdinand Berthoud, enquanto ambos se empenhavam no desenvolvimento de relógios altamente precisos para competir pelo prestigiado Prémio Longitude.

 

Em relação à estética dos relógios, as caixas inicialmente apresentavam uma simplicidade elegante, repetidamente exibindo gravuras de decoração mínima.


Entretanto, essa tendência evoluiu substancialmente a partir de cerca de 1740, quando Julien Le Roy começou a produzir relógios extremamente luxuosos. Estas peças eram adornadas com pedras preciosas incrustadas em caixas muitas delas confecionadas em ouro de três cores. Além disso, uma transformação marcante ocorreu com a incorporação de esmaltes artísticos, regularmente inspirados por temas românticos. Essa evolução representou uma significativa mudança tanto no estilo como na qualidade dos relógios produzidos pela habilidade artística de Julien Le Roy.


O surgimento das Cenas Românticas e a Evolução dos Relógios Femininos



Jean Antoine Watteau

No início do século XVIII, por volta de 1720, o pintor Jean Antoine Watteau desempenhou um papel fundamental na popularização das cenas românticas com as suas “fêtes galantes”, inspiradas pela comédia e pelo ballet Italianos. Essas cenas, cheias de graça e encanto, logo começaram a influenciar a estética da época. Foram capturadas em esmalte na parte traseira de caixas de ouro, tornando-se objetos de beleza e elegância.

 

Por volta de 1760, em Genebra, destacou-se a criação de relógios menores erroneamente rotulados como “relógios femininos”. Esses relógios eram verdadeiras obras de arte, frequentemente adornados com retratos femininos esmaltados no verso das caixas de ouro.


Por volta de 1770, começaram a surgir padrões geométricos "guilloché"[1] nas caixas desses relógios, que, posteriormente, eram cobertos com esmalte colorido e translúcido, acrescentando uma dimensão artística à funcionalidade.

Já que estamos a falar em técnicas decorativas inovadoras, e por curiosidade, no final do século XIX, o joalheiro russo Karl Fabergé (1846-1920), deixou marca na joalharia com a invenção de uma técnica decorativa única, que logo se expandiu para os relógios.

 

Jean Antoine Lépine, influenciado por essa inovação, aprimorou não apenas o estilo, mas também a mecânica dos relógios, fazendo com que se tornassem ainda mais refinados e menores, com diâmetros de até 25 mm.

 

Lépine também introduziu a prática de usar algarismos arábicos nos mostradores de relógios a partir da década de 1760. Relojoeiros de renome como Lépine e Abraham Louis Breguet deram contribuições significativas para a inovação e o desenvolvimento da relojoaria. Introduziram relógios notavelmente finos, revolucionando a moda da época. Isso foi possível graças a melhorias técnicas, como o refinamento do escape de cilindro e o desenvolvimento de outros tipos de escape. A introdução da pinça de Lépine representou um avanço crucial na produção de relógios, permitindo que os relojoeiros reduzissem ainda mais a espessura dessas peças.


É relevante notar que muitos “ébauches”[2] foram produzidos na Suíça e posteriormente enviados para França para serem concluídos, incluindo os de relojoeiros famosos como Lépine e Breguet. Essa colaboração internacional contribuiu para a excelência e a sofisticação dos relógios da época.


No século XVIII importantes relojoeiros franceses, como Berthoud, Lépine e Breguet, estabeleceram-se no "Quai de l'Horloge". Este bairro era estratégico, pois oferecia fácil acesso ao ouro necessário para as caixas dos relógios, que podia ser encontrado nas proximidades, no "Quai des Orfèvres". Além disso, na "Place Dauphine", localizada entre esses dois bairros, esses relojoeiros também tinham acesso aos esmaltes utilizados nos mostradores dos relógios.



Mapa 'Merian' colorido à mão, 1615. Vista sobre o 'Quai de l'Horloge' à esquerda da 'Place Dauphine' e o 'Quai des Orfèvres' à sua direita. Tudo está situado na extremidade oeste da "Île de la Cité", uma ilha no rio Sena na qual também a catedral de "Notre Dame" está localizada. Na ponta oeste da ilha, a famosa "Pont Neuf" liga ambos os lados do Sena com a "Île de la Cité".


O ‘Quai de l’Horloge’ na actualidade. Aqui já não existe nenhum relojoeiro, apenas um antiquário, alguns restaurantes, escritórios administrativos e alguns apartamentos. À direita pode-se ver a ‘Pont Neuf’.


'Place Dauphine' na actualidade vista para o oeste. Também aqui nada resta do comércio de relógios, apenas algumas lojas, pequenos restaurantes e um cercado por edifícios administrativos e alguns apartamentos.


Augustin Fortin, Paris, ca. 1720




Este notável relógio Augustin Fortin possui um requintado revestimento consular de prata, com diâmetro de 50,9 mm. Caixa meticulosamente confecionada em latão dourado, apresentando corda frontal que acrescenta uma sofisticação única. O movimento é uma obra-prima, baseado no mecanismo de fusée, com mostrador regulador em prata e um delicado ponteiro regulador em aço azulado.


A caraterística distintiva desta peça é o pequeno galo de dois pés, adornado com jóias em safira [3] um testemunho da excelência em ourivesaria. A placa traseira da caixa é enriquecida com incrustação ondulada de prata, um detalhe típico do período Regencial Francês, que remonta aos anos 1720 – 1730. A estrutura do relógio é sustentada por pilares quadrados em forma de balaústre, enquanto o mostrador de cobre esmaltado apresenta elegantes "relevos" [4]. Uma verdadeira obra de arte para os conhecedores de relojoaria.


Augustin Fortin foi um ilustre mestre relojoeiro. Em 1726 foi nomeado “guarda visitante da guilda do relojoeiro”, uma posição que envolvia a responsabilidade de garantir que os membros dessa guilda cumprissem os padrões estabelecidos para a relojoaria. Era crucial manter a qualidade e a integridade da profissão de relojoeiro na época.

 

A competência de Fortin valeu-lhe uma excelente carteira de clientes, incluindo o Marechal de Cossé-Brissac, o Conde de Mailly e o Marquês de Crussol, o que sugere que era altamente respeitado e valorizado por figuras importantes da sociedade da época.


Bichon, Moulins, cerca de 1730.




Este relógio é uma peça notável da relojoaria com revestimento consular em prata, com diâmetro de 44,7 mm em latão dourado. Possui corda frontal com proteção em latão, movimento de fusée, mostrador regulador de prata com ponteiro regulador de aço azulado. Galo muito pequeno, de dois pés de prata, com jóias em safira no galo de aço.

A placa traseira deste relógio está cercada por uma incrustação ondulada de prata, caraterística típica do período Regencial Francês que compreende os anos de 1720 a 1730. Pilares de balaústre quadrados e mostrador confecionado com cobre liso esmaltado.


Esta peça representa não apenas a maestria técnica da época, mas também o cuidado artístico e a atenção aos detalhes que eram caraterísticas distintivas daquele período. O uso de materiais de alta qualidade, como prata e safira, reflete a procura pela excelência na criação de relógios da época.


Jean Imbard, Lyon, ca. 1735



Relógio fabricado em latão dourado, apresenta um mecanismo de corda frontal e movimento de fusée com mostrador de 37,6 mm e 8,0 mm de espaço entre as placas. O mostrador regulador de prata é complementado por um ponteiro regulador em aço. O galo de dois pés muito pequeno, com jóias, neste caso, granada, embutidas no galo de aço. Pilares quadrados de balaústre e mostrador de cobre esmaltado, que exibe assinatura “Charmy à Lyon”.


É interessante observar que, embora algumas caraterísticas do período Regencial, como o facto de os galos e os mostradores reguladores maiores, ainda estarem presentes, a decoração ondulada da placa traseira já não é tão comum, indicando uma evolução do estilo.


É uma questão de debate se Pierre Charmy reparou o movimento ou se apenas substituiu o mostrador logo após o seu fabrico.



Relógio astronômico, Catedral de St. Jean, Lyon, France

Além disso, Charmy desempenhou um papel notável na reconstrução completa do relógio astronómico na Catedral de St. Jean em Lyon, no ano de 1782.


O relógio em questão, fabricado originalmente em 1596 por Nicolas Lippius, um matemático de Basileia, na Suíça, foi objecto de atenção de muitos relojoeiros da época.

Era comum, naquela altura, que os relojoeiros que realizavam reparações ou vendiam relógios, inscrevessem os seus próprios nomes no mostrador. Esse hábito não era exclusivo de França; na Inglaterra, por exemplo, era prática comum incluir o nome do proprietário no mostrador, às vezes substituindo até os algarismos.


Na verdade, esse costume persistiu em Inglaterra desde 1690 até o final do século XIX, tornando-se uma parte fascinante da história da relojoaria e uma maneira intrigante de rastrear a proveniência e autoria dos relógios dessa época.


Charles Le Roy, Paris, No. 1465, ca. 1740



Este relógio, fabricado em latão dourado, carateriza-se pela corda frontal e movimento de fusée. A dimensão da placa superior é de 37,3 mm, com um espaço de 6,2 mm entre placas. Apresenta mostrador regulador de prata, complementado por ponteiro regulador de aço azulado. Possui galo de dois pés, muito pequeno, é notável pelas jóias, que neste caso são granada, adornando o galo de aço. Detém pequenos pilares quadrados de balaústre.


Infelizmente, este exemplar não trabalha além de lhe faltar o mostrador e os ponteiros. Existe uma inscrição na placa “Belleteste le 23/7/1778”, que revela um registo de reparação.


É importante ressaltar que Charles Le Roy, o relojoeiro associado a este relógio, não deve ser confundido com o famoso Julien Le Roy (1686-1759). Na verdade, Charles Le Roy, de seu nome Basile Charles Le Roy, que viveu entre 1765 e 1839, foi outro relojoeiro com o mesmo apelido, que também deixou a sua marca na história da relojoaria.


Julien Le Roy    1686 – 1759



Julien Le Roy

Julien Le Roy foi um importante relojoeiro parisiense do século XVIII, nascido em Tours em 1686. A paixão pela relojoaria levou-o a criar o seu primeiro relógio aos 13 anos de idade. Na procura de melhorar ainda mais as suas competências, mudou-se para Paris em 1699, onde teve a oportunidade de aprofundar o seu conhecimento e experiência.


A dedicação e o talento, rapidamente o destacaram na profissão. Em 1713, conquistou o prestigioso título de mestre relojoeiro, um marco importante na sua vida. Além disso, a excelência na relojoaria também o levou a assumir o papel de júri da sua guilda.


À medida que a sua reputação crescia, Julien Le Roy alcançou novos patamares de sucesso, como a direção da Société des Arts. Contudo foi em 1739 que atingiu o auge da sua carreira ao ser nomeado relojoeiro oficial do rei Luís XV. Esse reconhecimento real não apenas confirmou o seu talento excepcional, mas também o colocou no centro das atenções da corte francesa.

 

A vida e obra de Julien Le Roy são testemunhos do comprometimento e competência de um mestre relojoeiro que deixou marca duradoura na história da relojoaria, não só francesa como europeia. Os seus relógios são altamente valorizados pela qualidade excepcional e artesanato refinado, continuando a ser apreciados por colecionadores e apaixonados da relojoaria até aos dias de hoje.

 

Em 1732, Julien Le Roy conquistou um feito notável ao inventar a “o Toque de Repetição”. Nesse sistema inovador, o martelo do mecanismo repetidor batia na caixa do relógio para indicar as horas e os minutos. Essa invenção revolucionária permitiu que as pessoas soubessem as horas mesmo no escuro. 

Em 1740, Le Roy foi ainda mais longe ao reorganizar o mecanismo do repetidor, melhorando a eficiência e confiabilidade. Essas melhorias foram cuidadosamente registadas, com a inscrição “Inventé par Julien LeRoy 1740” marcada no topo das placas do mostrador, um testemunho duradouro do talento e contribuições para a relojoaria. 


Uma das notáveis inovações, frequentemente atribuída por especialistas, foi o desenvolvimento do mecanismo de repetição acionado por corrente “tudo ou nada”. Este mecanismo operava de forma binária, estando sempre numa de duas posições: ativado (tudo) ou desativado (nada), proporcionando uma precisão notável na repetição do tempo.


Além disso, por volta de 1730, introduziu uma invenção importante: o suporte ajustável para a roda de escape, conhecido como “potência”. Esta inovação desempenhou um papel fundamental na melhoria da precisão e fiabilidade dos relógios franceses.


Até a sua morte em 1759, Julien Le Roy manteve as atividades na Rue du Harlay.


Embora a Casa Julien tenha produzido cerca de 5000 relógios durante a sua existência, é lamentável que apenas uma pequena percentagem, entre 1 e 2% tenha sobrevivido ao teste do tempo e ainda existam hoje como preciosos exemplares. As contribuições notáveis e o legado inovador continuam a ser celebrados na relojoaria moderna.


Pierre Le Roy



Pierre Le Roy, filho de Julien Le Roy, foi um relojoeiro brilhante que se destacou por mérito próprio. Após assumir os negócios do pai, dedicou-se intensamente à relojoaria, produzindo peças experimentais e únicas.


Uma das suas notáveis invenções foi o escape pivotado de retenção, também conhecido como escape destacado[5] criado em 1748


Além disso, era um talentoso fabricante de cronómetros. É interessante mencionar que Pierre Le Roy era rival de Ferdinand Berthoud, outro importante relojoeiro da época. Devido a circunstâncias especiais, Pierre perdeu a afiliação “Horloger du Roi et de la Marine” para Berthoud. Le Roy guardou um grande ressentimento contra Berthoud, que só reconheceu o verdadeiro génio de Pierre após a sua morte em 1785.

 

Para homenagear o pai, Julien Le Roy, Pierre assinava os seus relógios com o nome “Julien Le Roy” e utilizava o sistema de numeração iniciado por ele, numerando os seus próprios relógios de 3500 até 5000. Os relógios de Julien Le Roy eram numerados de 1 a cerca de 3500.

 

Alguns dos relógios raros feitos por Pierre apresentam um fusée invertido, uma invenção do seu irmão Jean Baptiste Le Roy por volta de 1760. Esse mecanismo, conhecido como “fusée invertido”, foi desenvolvido para impedir que a mola real do relógio fosse excessivamente esticada, o que poderia danificar o movimento. Este fusee distribui mais uniformemente as forças para a cadeia de fusées contribuindo para a durabilidade dos relógios.        


Pierre Le Roy introduziu um novo tipo de escape, o "escape morto"[6]  que era uma versão modificada do escape de “Debaufres”. Além disso, deu outras contribuições importantes para a relojoaria.


Para distinguir o trabalho de Pierre Le Roy, filho de Julien Le Roy, do trabalho do sobrinho, também chamado Pierre Le Roy, assinou os seus relógios com “P(ie)re Le Roy”.

 

A família Le Roy deixou um legado significativo na relojoaria, contribuindo com inovações que moldaram a indústria relojoeira ao longo dos anos.   


Julien Le Roy, Paris, nº 303, 1727   





Notável relógio em latão dourado, exibe corda frontal e movimento de fusée. Com um diâmetro majestoso de 39,62 mm, irradia uma presença imponente. O mostrador regulador prateado é complementado por um ponteiro regulador de aço azulado, criando um contraste sublime. O galo de dois pés de tamanho bastante grande em aço, revela a maestria da relojoaria. Os pilares de balaústre quadrados oferecem suporte e equilíbrio a esta obra-prima. 


A placa traseira habilmente marcada com a assinatura “J(ulie)n Le Roy A Paris” e o número “303” acrescentam uma dimensão histórica a esta peça extraordinária. O mostrador em cobre esmaltado ostenta a inscrição “I(ulie)N LE ROY A Paris”, revelando a origem e o renome deste tesouro relojoeiro.


Detalhes adicionais, como o orifício de dar corda, em cobre e a proteção de paragem do movimento, demonstram a atenção meticulosa aos pormenores e a sofisticação inigualável deste relógio.



Esquerda: pia para retenção de óleo inventada por Julien Le Roy na década de 1720; Direita: comparação entre movimento sem suporte de ajuste para roda de coroa (em cima) e com ajuste para roda de coroa (em baixo).

Este é um dos exemplos mais antigos de peças numeradas, concebido por Julien Le Roy. O movimento inclui uma inovação pioneira, os “orifícios do ralo”, desenvolvida na década de 1720. Esses orifícios foram projetados para reter o óleo na ponta dos eixos das rodas, melhorando a eficiência e a durabilidade do movimento.


No entanto, este movimento antecede a invenção do suporte de ajuste para a roda da coroa, introduzido por Julien Le Roy em 1730. Essa inovação revolucionária, adotada por todos os relojoeiros franceses em 1735, permitia ajustar facilmente a folga entre a roda da coroa e o escape sem necessidade de desmontar todo o movimento. É interessante ressaltar que essa importante invenção não era comum em peças inglesas da época.


A datação precisa deste movimento é possível graças à comparação com os números de produção coletados e listados por especialistas como Brusa, Allix, Sabrier e Chapiro, fornecendo um contexto valioso para essa notável peça da história da relojoaria.


Julien Le Roy, Paris, nº 2102, ca. 1744



Refinado relógio em latão dourado com corda frontal e movimento de fusée. Um delicado mostrador prateado, com 38,6 mm de diâmetro e uma distância entre placas de 6,6 mm, destaca-se pela presença de um ponteiro regulador em aço azulado, adicionando um toque de elegância ao conjunto.


Possui galo de aço de dois pés, notável pelas dimensões reduzidas, e ainda pequenos pilares quadrados que complementam a estética requintada deste exemplar. 


O mostrador em cobre esmaltado, habilmente gravado com a assinatura “Julien Le Roy”, confere um toque final de autenticidade e sofisticação a esta peça da relojoaria.


Julien Le Roy, Paris, nº 2818, ca. 1750



Requintado relógio em latão dourado, possui corda frontal e um notável movimento fusée, que apresenta a função de repetição com dois martelos “à toc”. Com placa do mostrador de 41,0 mm de diâmetro e distância de 6,4 mm entre placas, este exemplar exibe uma estética elegante.


O mostrador regulador prateado é acentuado pelo ponteiro regulador de aço azulado, conferindo um toque de sofisticação ao design. O galo de aço com dois pés, acresce uma distinção adicional. Pilares de balaústre, redondos e delicados, completam a composição. 


O mostrador em cobre esmaltado é uma obra de arte em si, com a assinatura “Julien Le Roy” gravada com destaque. O aro do mostrador, ricamente adornado com volutas e folhas, exibe a inscrição: “Inventé par Jul le Roy en 1740”, lembrando a inovação atemporal introduzida por Julien Le Roy.


Pierre Le Roy (fils), Paris, nº 3788, 1760



Relógio em latão dourado com movimento verge e fusée invertido, que posteriormente foi alojado numa caixa consular em prata.


Balanço composto por três braços e mola de aço. Pequeno galo de latão dourado com as iniciais de Julien Le Roy, “JLR”, habilmente entrelaçadas entre o elaborado trabalho de gravação do galo e a placa traseira. O relógio está assinado “Julien Le Roy” e numerado “3788”, em tributo ao pai de Pierre.


O número de produção, que data o movimento após a morte de Julien Le Roy, pode ser aproximadamente associado a 3500. Representa um dos primeiros movimentos conhecidos produzidos por Pierre Le Roy (filho) em homenagem ao pai, e apresenta o uso do fusée invertido.


O fusée invertido usado por Pierre Le Roy (filho)



O fusée invertido, caraterizado pela orientação da ponta do fuso em direção ao mostrador, é uma característica especial encontrada em alguns exemplares raros do trabalho de Pierre Le Roy.


Essa configuração distribui a força na corrente de maneira mais uniforme do que a configuração normal, na qual a ponta do fuso é voltada para a placa traseira do relógio. 

A construção de um fuso invertido é mais complexa e delicada, resultando num movimento diferente em comparação com o tipo de movimento Lépine introduzido por volta de 1770.


De facto, após a introdução desse tipo de movimento, essa melhoria não foi amplamente adotada.


Pierre Le Roy (fils), Paris, nº 3840, 1761



Relógio em latão dourado com movimento de fusée. Possui balanço de três braços com mola de aço e pequeno galo em latão dourado raro. Exibe as iniciais de Julien Le Roy, "JLR", artisticamente entrelaçadas entre o trabalho de pergaminho do galo e a placa traseira. O relógio está assinado "Julien Le Roy" e numerado “3840” em homenagem ao pai de Pierre Le Roy (o número de produção, 3500, sugere que esse movimento foi criado logo após a morte de Julien Le Roy, conforme mencionado anteriormente). Os pequenos pilares quadrados de balaústre são uma caraterística distintiva.


Além disso, é possível identificar claramente as iniciais “C B” na placa superior, que provavelmente pertencem ao artesão que finalizou este movimento. Existe uma teoria que aponta que essas iniciais possam corresponder a Charles Buzot, conhecido por trabalhar no fabrico de molas e pêndulos. É interessante notar que o filho de Buzot, Jean Buzot, foi aprendiz de Berthoud a partir de 1754, trabalhando sob a sua orientação por oito anos.


Pierre Le Roy (fils), Paris, No. 4389, 1765



Relógio em latão dourado com movimento de fusée invertido. Possui balanço de três braços com mola de aço, bem como pequeno galo em latão dourado. A placa traseira está assinada “Julien Le Roy” e numerada “4389” em homenagem ao pai de Pierre Le Roy (o número de produção confirma que este movimento foi criado após a morte de Julien Le Roy, conforme descrito acima). Os pequenos pilares quadrados de balaústre são uma caraterística distinta, assim como o mostrador em cobre esmaltado também assinado “Julien Le Roy”.


Jean Romilly, Paris, nº 2108, ca. 1760



Relógio em latão dourado, apresenta corda frontal e movimento de fusée com mostrador 33,4 mm de diâmetro e espaço de 4,1 mm entre as placas. O mostrador regulador é em prata e o ponteiro regulador é já uma substituição em cobre.  Possui galo de aço com dois pés. Balanço em latão com mola em aço azulado. A placa traseira está gravada “Romilly A PARIS” e numerada “2108”. Os pilares são redondos e muito pequenos, o mostrador em cobre esmaltado também está assinado “Romilly A PARIS”. É importante observar que faltam os ponteiros.


Jean Romilly (1714-1796) nasceu em Genebra, de pais franceses. Em 1752, obteve o título de mestre relojoeiro em Paris e começou a exercer a sua atividade no Quai Pelletier. Durante o período entre 1772 e 1781, residiu na Place Dauphine, onde muitos dos mais importantes relojoeiros franceses trabalhavam. Romilly era um talentoso inventor e foi convidado, juntamente com Julien Le Roy, Pierre Le Roy e Ferdinand Berthoud a contribuir para a grande Enciclopédia de Diderot e d'Alembert. 

 

Jean Romilly foi um proeminente inventor de relógios, responsável por diversas inovações significativas na área. Entre as suas criações estão um cronómetro marítimo, melhorias no escape de vírgula dupla de Caron, relógios com autonomia de oito dias, um relógio com corda para um ano, relógios com equação de tempo e relógios com “segundos saltantes”. Um exemplar deste último foi construído em 1754, apresentando um escape de cilindro de trinta dentes.

 

Apesar das suas criações envolverem tecnologias mais avançadas, Romilly era conhecido por produzir relógios de aparência simples, como a peça mostrada acima, que muitas vezes eram acondicionados em caixas de ouro ricamente decoradas.

Romilly justificou a produção desses “relógios simples” num artigo que publicou na Enciclopédia de Diderot:


“Relógios são instrumentos para marcar o tempo, mas também são usados ​​como ornamento. Coloquei movimentos de relógios em anéis, caixas de rapé, pulseiras. (…) Construí um relógio de repetição com apenas 6,8 mm de espessura. (…) Relojoeiros que constroem relógios como este, devem ter habilidades especiais. (…) É certo que se um relojoeiro pode construir movimentos muito pequenos, construirá ainda melhores movimentos de tamanho normal”.

Jean Arthur, Paris, c. 1760



 

Relógio em latão dourado com corda frontal e movimento de fusée, com mostrador de 34,1 mm e 3,8 mm de espaço entre as placas. O mostrador regulador é prateado e o ponteiro é em aço azulado. Apresenta pequeno galo de aço com dois pés. Os pilares são redondos e bastante pequenos. Mostrador em cobre esmaltado, que não apresenta assinatura específica.

 

Jean Arthur, mestre relojoeiro que conquistou o título em 1757, é uma figura intrigante na história da relojoaria. Embora os detalhes da sua vida sejam escassos, alguns dos relógios que criou ainda estão preservados. 


O que torna Jean Arthur notável é o talento na criação de relógios esqueletizados, seguindo o estilo de Jean-Antoine Lépine. É frequentemente considerado como um sucessor de Ferdinand Berthoud, tanto em termos de competência técnica como de reputação na comunidade relojoeira da época.


 

Notas:


[1] os padrões guilloché são caraterizados por linhas entrelaçadas, ondas, espirais ou outros desenhos geométricos. Esses padrões são produzidos usando uma máquina especializada chamada “rose engine”, inventada durante o século XVIII. Esta máquina foi utilizada para criar padrões guilloché em peças decorativas, como mostradores e estojos de relógios, caixas de música e outros itens de luxo. A técnica de guillochage, que envolve o uso dessa máquina, permitiu a criação de intrincados padrões geométricos e ondulados que adicionaram um toque de elegância e sofisticação às peças.


[2] Movimentos em bruto e inacabados.


[3] Refere-se a pedras preciosas de safira que são estrategicamente colocadas nas partes mais críticas do movimento do relógio para melhorar o seu desempenho e longevidade.


[4] É uma técnica que envolve o uso de cobre ou latão esmaltado com pequenas saliências para criar um padrão ou textura na superfície da caixa do relógio, é uma característica rara, típica do início do período regencial.


[5] Assim chamado porque a âncora e a roda de escape estão fisicamente destacadas da placa do movimento do relógio. Em vez de estar montado diretamente na placa de movimento, o escape destacado é fixado numa peça separada, conhecida como plataforma de escape ou ponte de escape. Essa peça é, por sua vez, fixada à placa do movimento do relógio. A principal vantagem é que reduz o atrito e o desgaste das partes móveis do escape, como as paletas e os dentes da roda de escape.


[6] O escape morto é um mecanismo usado em relógios mecânicos para controlar a libertação de energia do mecanismo de mola principal. Esse tipo de escape é considerado um dos mais antigos e simples, e é composto por duas partes principais: a roda de escape e a âncora.


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