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A Arte de Bautte, Moulinié e Moynier


@ Sothebys


O objecto, propriedade de uma coleção privada europeia, apenas pode ser descrito como sendo verdadeiramente de luxo. A fenomenal peça proposta a leilão pela Sothebys sob o Lote nº 1233, é descrita como um raro e importante telescópio extensível em ouro e esmalte com pérolas combinado com um relógio de bolso. Incluído no leilão “Fabergé, Gold Boxes & Objets de Luxe”, que termina a 15 de Novembro próximo, a peça foi produzida pelos célebres e históricos ateliers da Moulinié, Bautte & Co, Genebra, por volta de 1810.


O fabricante, bem conhecido de quem já teve a oportunidade de apreciar um exemplar das suas famosas pistolas de perfume ou com pássaro cantante, é sem dúvida merecedor de ser recordado aqui no IPR, apesar de nem sempre as fontes estarem de acordo quanto à versão da história a que se devem subjugar.




Pistolas dispensadoras de perfume por Moulinié, Bautte & Cie @ Christies


Sobre Bautte, Moulinié e Moynier



Jean-François Bautte (1772-1837) e Jean-Gabriel Moynier (1772-1840) foram dois destacados artesãos de origem suíça, que trabalharam tanto em parceria como por conta própria, e criaram algumas das mais belas criações no campo da relojoaria e da joalharia.


Jean-François Bautte @ FHH

No caso de Jean-François Bautte, este acabou por ficar para a história por 3 razões fundamentais. Não só fundou a mais completa manufatura de relojoaria do seu tempo em Genebra, contribuindo para a consolidação da posição da Suíça como centro mundial da relojoaria fina, como concebeu e construiu peças extraordinárias para as cortes reais da Europa e as mais distintas entidades e dignatários de todo o mundo. Um currículo a que se deverá acrescer o facto de Bautte ter sido um dos criadores do conceito que hoje conhecemos como relógio extra plano.


O filho de Marie Anne Mare e do esmaltador genebrino Abraham Bautte, nasceu em Genebra a 26 de março de 1772, e foi batizado na igreja de St. Gervais a 13 de abril de 1773. Apesar do seu inicio de vida não ter sido fácil tendo ficado órfão com tenra idade, em 1789, e com apenas 17 anos, Bautte inicia a sua aprendizagem no atelier de “caixas” de Jacques-Dauphin Moulinié (1761-1838) e Jean-François Blanchot. É neste ambiente das “Fabriques Genevoises” que Bautte demonstra uma inegável mestria nas artes da relojoaria, joalharia, gravação e na produção dos mais diversos objectos em ouro e prata tornando-se no verdadeiro impulsionador da empresa. É esta invulgar capacidade que o leva, com apenas 19 anos, a assinar pela primeira vez o seu nome no mostrador de um relógio.



Relógio de bolso assinado Jean-François Bautte a Geneve @ Sothebys

Em 1793 associa-se a Jacques-Dauphin Moulinié para fundar a “Moulinié & Bautte, monteurs de boîtes”, então um reconhecido fabricante de caixas, exercendo também uma vertente comercial. Aliás, na obra de Jacquet e Chapuis “História e Técnica do Relógio Suíço”, Bautte é já descrito como sendo também um “comerciante nato”.

Com a entrada do relojoeiro Genebrino Gabriel Moynier (1772-1840) na sociedade a 1 de Outubro de 1804, a empresa passa a denominar-se “Moulinié, Bautte & Cie, fabrique d´horlogerie”, registada como “pour la commerce d'horlogerie et bijouterie”. Era especializada principalmente na área da relojoaria apesar da produção menor de joalharia ter uma procura substancial. Com sede em Genebra, a empresa tem filiais em Paris e Florença e atende clientes em todo o mundo: China, Índia, Espanha, Itália, França, Inglaterra e Áustria. É neste período que o telescópio que aqui destacamos foi produzido.



A sociedade tripartida acabou por não vingar, mas representou um período de enorme sucesso para Bautte, que se tornou no mais importante comerciante de relojoaria de Genebra. Por volta de 1810, a empresa contava com mais de 60 trabalhadores no atelier e pelo menos 30 a trabalhar a partir de casa na produção dos seus relógios e jóias (fontes alternativas indicam cerca de 300 trabalhadores).


Port du Molard, Genebra em 1810 @ Public Domain


A partir de 1821, com a saída de Moulinié, o sócio mais antigo que agora se aposentava, a denominação passa a “Bautte et Moynier” com atelier no nº 61 da Rue du Rhône em Genebra. Durante os 5 curtos anos que a parceria durou, Jean-François Bautte e Gabriel Moynier produziram peças de extrema beleza e complexidade ao nível do melhor que se fazia nesta época atraindo os clientes mais cobiçados da nobreza, mesmo além fronteiras. Entre os clientes mais famosos de “Bautte & Moynier” estavam variadíssimos membros das famílias reais e da aristocracia europeia: a rainha Vitória e a duquesa de Clermont-Tonnerre são apenas alguns dos nomes inscritos nos livros de registo. Não admira pois que, à imagem de Breguet, o nome de Jean-François Bautte apareça nas obras literárias de Alexandre Dumas (pai), Balzac e John Ruskin.



Alexandre Dumas (pai) @ Public Domain


“A joalharia mais elegante de Genebra é sem dúvida a de Bautte; é difícil imaginar uma coleção mais rica dessas mil maravilhas que enlouquecem a alma de uma mulher; é o bastante para fazer uma parisiense enlouquecer, é o bastante para fazer Cleópatra estremecer de inveja no seu túmulo.

Alexandre Dumas, in Impressões de uma viagem à Suíça, 1833


John Ruskin @ Public Domain


"A visita à casa de Bautte era feita com apreensão, como se fossemos ver o nosso banqueiro. Quase nenhuma indicação no edifício; apenas uma simples placa de latão ao lado da entrada estreita e abobadada. O beco dava para um pátio semelhante a um claustro, e uma grande escada aberta, larga o suficiente para duas pessoas, levava ao portão verde. Ai, parava-se para ganhar coragem antes de entrar. A sala não era grande e tinha apenas um balcão a um canto. Nada estava exposto neste balcão atrás do qual dois funcionários de confiança compareceram. Na parte de trás, perto da janela, estava um dos proprietários da casa à sua secretária, o Sr. Bautte, o seu filho ou o seu sócio. Nesse momento era preciso dizer o que se queria e ser resoluto. Na loja de Bautte, nada era colocado apenas para atrair a vista. Caso se pretendesse uma pulseira, uma pregadeira, um relógio liso ou esmaltado, serenamente uma selecção seria colocada à nossa frente. Não havia grandes pedras, nem jóias vistosas, mas belos trabalhos, feitos do mais puro ouro, esmaltes notáveis ​​pelas suas cores, todos exibindo uma certa finesse Bauttesca, guirlandas entrelaçadas que um olho experiente reconhecia como sendo do estilo de Paris ou Londres. Essas peças, de preço modesto, duravam toda a vida. Saía-se da loja de Bautte com uma sensação de dever cumprido, de tesouro possuído e de uma nova base para a respeitabilidade da sua família”.

John Ruskin, in Praeterita, 1887


Em 1826 é a vez de Bautte sair para fundar a Bautte & Cie dando inicio a uma produção de movimentos, caixas de relógios, mostradores, peças de joalharia e autómatos, mas também criações experimentais. Em 1828, apresenta na Exposição de Genebra doze modelos de demonstração com o sistema de escape concebido por Antoine Tavan (1749-1836) para os irmãos e relojoeiros Melly (ativos entre 1790 e 1829).


Jean-François Bautte morre em 1837, sendo enterrado no Cemitério de Plainpalais em Genebra. Nesse mesmo ano, a 20 de dezembro, é constituída a Jean-François Bautte & Cie, fabricante de relógios e peças de joalharia, pelo seu filho Jacques Bautte (1806-1885) e o genro Jean-Samuel Rossel (1799-1881). A empresa continuou a funcionar até 1855, quando se tornou na “Rossel-Bautte & cie”, e, posteriormente, em 1860 passa a denominar-se “J. Rossel & fils”.


Constant Girard-Gallet @ Public Domain


Em 1883 é Jacques Rossel (1824-1896), filho de Samuel e neto de Bautte, que dirige os destinos da empresa, da qual é agora o único proprietário. Com a sua morte em 1887, a empresa passa para as mãos do relojoeiro Felipe Hecht e posteriormente para o seu filho, Juan Hecht. E é esta empresa que Juan acaba por vender em 1906 ao parente e amigo Constant Girard-Gallet, nada menos que o proprietário da Girard-Perregaux & Cie (La Chaux-de-Fonds).

A peça vista à lupa


Mas voltemos ao nosso telescópio extensível. A Sothebys faz-nos uma excelente descrição dos detalhes desta peça que, distendida, alcança 51 cm de comprimento. A leiloeira refere também que o lote se destaca pela sua importância no que diz respeito ao desenvolvimento da técnica do esmalte e da sua pintura ou decoração: “trata-se de um exemplo muito antigo da técnica do esmalte “taille d’épargne”, mais requintado, e que nesta qualidade só se esperaria ver cerca de uma década depois. É particularmente interessante ver que nesta peça o pintor de esmalte ainda estava a imitar o intrincado trabalho de “paillon” que passara a estar na moda em Genebra e Hanau a partir da década de 1790.”



@ Sothebys

O instrumento óptico tem uma forma tubular, com a lente emoldurada a esmalte preto, um colar de esmalte azul translúcido dentro de aros dourados e dois bordos perolados. As laterais foram esmaltadas de forma artística com cartelas em forma de natureza morta incluindo pêssegos, ameixas e uvas sobre um fundo de esmalte escarlate translúcido sobre “guilloché”. Este encontra no interior de um bordo de esmalte dourado e branco terminando em elementos de girassol cinzelados, ornamentos de esmalte verde translúcido em forma de amêndoa dentro de bordo branco opaco numa transição para treliça em azul claro. Sobre um fundo de esmalte preto opaco decorado com elaboradas coroas de flores segundo a técnica “taille d’épargne”, foram incorporados amores-perfeitos, rosas, tulipas, girassóis e folhas de videira, para além de uvas e bagas em cores vibrantes opacas e translúcidas, cercadas por folhagens frondosas aplicadas em “paillon”. O conjunto está emolduradas por meias pérola em cada lado, estando a lente frontal definida com um relógio de bolso destacável com mostrador em esmalte branco e numeração romana. Também este está circundado por um bordo de meias pérolas.



@ Sothebys

Na peça é visível a marca de ourives “MB” com uma chave no meio de um losango vertical, no que é uma variação da marca utilizada por Jean-François Bautte. A marca data presumivelmente do período posterior a 1808, enquanto que a marca “MB & C", um pouco mais conhecida e também com um losango, data do período entre 1804 e 1808 quando Bautte trabalhou em parceria com Moulinié e Jean-Gabriel Moynier (1772-1808).



@ Sothebys


A estimativa de valor da Sothebys para esta peça com o número de série 4771, é de entre 40.000 a 60.000 francos suíços e pode ser vista online aqui.


Mais informações em Sothebys.com

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