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O Tempo como Presente: Três Relógios oferecidos que se Tornaram Lendas

O universo dos relógios revela-se sempre mais vasto do que aparenta. Mais do que simples instrumentos de medição, os relógios mecânicos encerram um mecanismo vivo que serve de receptáculo para intenções, sentimentos e memórias — acolhendo, no próprio metal e no próprio ritmo, tudo aquilo que resiste ao tempo. Talvez por isso, mesmo ultrapassados na exactidão pelos relógios de quartzo, pelos atómicos ou pela ubiquidade da hora nos telemóveis, os relógios mecânicos permanecem nos pulsos, com,o mensageiros de uma dimensão simbólica e afectiva que nenhuma tecnologia conseguiu substituir.


Nesta véspera de Natal damos a conhecer três relógios oferecidos em circunstâncias extraordinárias, peças que se tornaram parte da história pelos melhores motivos. Estas histórias revelam momentos empolgantes da relojoaria e dos seus protagonistas e sabemos que são histórias como estas que nos fazem admirar os relógios: não pela utilidade, mas sim pelo significado e pela memória que encerram.


Patek Philippe - Gago Coutinho e Sacadura Cabral


©IPR  Relógio de pulso Patek Philippe em ouro, oferecido em 1922 pela Comissão Executiva da recepção aos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, por ocasião da primeira travessia aérea do Atlântico Sul.
©IPR Relógio de pulso Patek Philippe em ouro, oferecido em 1922 pela Comissão Executiva da recepção aos aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, por ocasião da primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

Em 1922, a travessia aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral tornou-se símbolo da conjugação entre ciência, navegação e perícia técnica. No coração da aventura, o tempo não era abstracção mas ferramenta: cada trajectória dependia da precisão dos cronómetros marítimos e dos relógios de aviação embarcados no “Lusitânia”, no “Pátria” e no “Santa Cruz”.

Entre os instrumentos documentados constavam, por exemplo, cronómetros da marca britânica Dent — fornecedora da Marinha Portuguesa desde o século XIX — e cronómetros da Johannsen e da Kullberg, que equipavam os navios e, nesta missão, foram adaptados para utilização aérea.

Não se tratava de relógios de adorno, eram verdadeiros instrumentos científicos.


Quando se olha para a travessia aérea do Atlântico Sul em 1922, é fácil esquecer que o verdadeiro protagonista não foi apenas a máquina voadora, mas o tempo — medido, regulado e interpretado com precisão científica. O próprio Gago Coutinho esclarece este ponto no relatório da viagem, apresentado ao Estado no ano seguinte:


Na navegação astronómica empregou-se, como a bordo dos navios, um cronómetro médio, que dá a hora de Greenwich; e levávamos também um bom contador médio. Na previsão de observações astronómicas de noite, tínhamos mais um cronómetro regulado para o tempo sideral de Greenwich. Gago Coutinho

Na preparação da missão, o Observatório Naval de Lisboa revia, ajustava e selava os cronómetros segundo padrões rigorosos. O próprio método de navegação de Gago Coutinho, baseado no “sextante de horizonte artificial”, só era possível graças à leitura exacta dos cronómetros — e o sucesso da travessia dependeu literalmente do seu funcionamento. Sabia-se, por testemunhos directos e registos museológicos, que Gago Coutinho utilizou um cronómetro Dent Nº 32511 durante a viagem, e que, após o regresso:

 A Comissão Executiva da recepção aos aviadores portugueses ofereceu-lhes um relógio de pulso Patek Philippe em ouro.

A relação entre homem, máquina e tempo ficou assim inscrita na história portuguesa. Estas peças são testemunhos materiais de uma época em que medir o tempo era, em si, um acto de conquista.




O Breguet Nº 160 “Marie-Antoinette”

Breguet Marie-Antoinette
Breguet Marie-Antoinette

Por volta de 1783, um admirador da rainha Maria Antonieta de Áustria, esposa de Luís XVI, encomendou a Abraham-Louis Breguet um relógio sem precedentes. A identidade do cliente permanece desconhecida, mas a intenção foi clara e documentada:

criar o relógio mais complexo e perfeito possível, sem limite de custos nem prazos, destinado à rainha.

O pedido incluía explicitamente todas as complicações conhecidas na época. Não se tratava de ostentação imediata, mas de um gesto absoluto, quase conceptual, em que o tempo e o dinheiro deixavam de ser critérios. O relógio tornava-se uma prova técnica e simbólica.


A execução do relógio revelou-se extraordinariamente longa. A Revolução Francesa, iniciada em 1789, interrompeu a vida da corte e conduziu à execução de Maria Antonieta em 1793, antes de o relógio estar concluído. O projecto, porém, não foi abandonado.


O Breguet Nº 160 só ficou concluído em 1827, mais de quarenta anos após a encomenda e quatro anos depois da morte de Abraham-Louis Breguet. O relógio integra, entre outras, repetição de minutos, calendário perpétuo, equação do tempo, termómetro, reserva de marcha, corda automática e indicação das horas em múltiplos formatos. Nunca foi entregue à sua destinatária original. Ainda assim, ficou para sempre associado ao seu nome, não pelo uso, mas pela intenção.


Ao longo do século XIX, o relógio passou por vários proprietários privados. No início do século XX, integrou a colecção de Sir David Lionel Goldsmid-Stern-Salomons, um importante coleccionador britânico de relojoaria e ciência.


Em 1966, a peça foi doada ao Museu L.A. Mayer de Arte Islâmica, em Jerusalém, onde passou a ser um dos objectos mais importantes da colecção de relojoaria histórica, apesar de não ter ligação directa ao mundo islâmico. A sua presença no museu justificava-se pelo valor universal do objecto enquanto obra de engenharia e arte.


Breguet Marie-Antoinette
Breguet Marie-Antoinette

Na noite de 15 de Abril de 1983, o museu foi assaltado.

Foram roubados mais de uma centena de relógios, incluindo o Breguet Nº 160.

O assalto foi meticulosamente planeado e não deixou pistas imediatas.


Durante décadas, o paradeiro do relógio permaneceu desconhecido. A sua singularidade tornava-o impossível de vender no mercado legal, o que contribuiu para o mistério em torno do roubo.


Em 2007, após mais de vinte anos desaparecido, o Breguet Nº 160 foi recuperado. O relógio foi devolvido ao museu por uma mulher que afirmou estar a cumprir a vontade do seu falecido marido, identificado como Na’aman Diller, um ladrão profissional israelita, já falecido à data.


A investigação confirmou a autenticidade da peça. O relógio encontrava-se completo, embora necessitasse de avaliação técnica e conservação. A recuperação foi considerada um dos episódios mais notáveis da história recente da relojoaria museológica.



Oferta nº3

Rolex Paul Newman - Rolex Cosmograph Daytona, referência 6239


Rolex Paul Newman - Rolex Cosmograph Daytona, 6239
Rolex Paul Newman - Rolex Cosmograph Daytona, 6239

Em 1968, o actor Paul Newman encontrava-se profundamente envolvido no automobilismo de competição. Para além da sua carreira no cinema, corria regularmente em provas de resistência e em programas de preparação profissional, uma actividade que comportava riscos reais e constantes. Foi nesse contexto que a sua esposa, a actriz Joanne Woodward, lhe ofereceu um relógio: um Rolex Cosmograph Daytona, referência 6239, com mostrador exótico, hoje universalmente conhecido como Paul Newman Daytona.


O Rolex Daytona não foi seleccionado como símbolo de ostentação. Era um cronógrafo profissional, concebido para a medição de tempos em pista, equipado com escala taquimétrica e leitura clara. Funcionava, de forma directa e eficaz, como instrumento adequado à actividade de Newman enquanto piloto. O gesto não procurava criar um símbolo público nem um ícone mediático. O relógio destinava-se ao uso quotidiano e desportivo do seu destinatário.

No verso da caixa, Joanne Woodward mandou gravar a frase “DRIVE CAREFULLY ME”.

A mensagem é simples, directa e profundamente pessoal. Não contém o nome do destinatário nem qualquer data. A escolha da palavra final — ME — transforma a frase num apelo íntimo: não se trata apenas de prudência, mas de responsabilidade afectiva. Esta gravação encontra-se amplamente documentada através de fotografias, testemunhos familiares e do próprio percurso conhecido do relógio.


Paul Newman usou este Rolex durante vários anos, tanto fora como dentro de pista. O relógio surge em múltiplas fotografias e registos públicos, confirmando que não foi guardado como peça simbólica ou de excepção, mas integrado na sua vida quotidiana. Esse uso continuado reforça o carácter genuíno da oferta: o relógio cumpriu exactamente a função para a qual foi oferecido.


Mais tarde, Newman ofereceu o relógio ao então namorado da sua filha, James Cox, quando este se preparava para iniciar uma carreira no automobilismo. O gesto manteve intacta a lógica original da oferta: o relógio acompanhava quem enfrentava o risco. Durante décadas, o paradeiro da peça permaneceu discreto, fora do circuito mediático e afastado do mercado de coleccionismo.


Em 2017, o relógio foi leiloado pela Phillips, em Nova Iorque, alcançando o valor de 17,75 milhões de dólares e tornando-se, à data, o relógio de pulso mais caro alguma vez vendido em leilão.

Este Rolex não é importante por ser um Paul Newman Daytona. Tornou-se um Paul Newman Daytona porque foi usado por Paul Newman. E tornou-se histórico porque foi oferecido com uma mensagem privada que nunca perdeu o seu sentido. A frase “DRIVE CAREFULLY ME” não foi pensada para o público. Foi escrita para um homem específico, num momento concreto, com uma preocupação real.


Joanne Woodward e Paul Newman
Joanne Woodward e Paul Newman

A oferta do Rolex por Joanne Woodward a Paul Newman demonstra que um relógio pode tornar-se histórico sem qualquer intenção de o ser. Basta que o gesto seja verdadeiro, que o uso seja real e que a história seja documentada. Entre todas as grandes ofertas relojoeiras conhecidas, esta permanece uma das mais humanas: um relógio oferecido por amor, usado com naturalidade e valorisado pelo tempo.



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