O tempo está morto. Viva o tempo.
- Nuno Margalha
- 28 de jun.
- 5 min de leitura

Einstein usava um Longines de pulso que lhe foi provavelmente oferecido em 1931 e vendido em 2008 por 74000 CHF.
Foi com este Longines no pulso que concluiu que o tempo não passa uniformemente, passa mais lentamente no vale do que na montanha. A diferença é mínima, porém nada que o Cesium 133, um relógio atómico de pulso, não consiga medir, visto perder apenas um segundo em 1000 anos. A ideia de que o tempo não é o mesmo para todos os humanos é chocante, tal como o foram as ideias de que o mundo não é plano, ou de que o sol não gira em torno da terra, a estranheza vem apenas de erros de percepção.

Ainda não conseguimos ler bem o universo, não conhecemos a sua gramática mais básica. Einstein pode ter tido a percepção facilitada, visto que em jovem trabalhou no Escritório Federal de Propriedade Intelectual de Berna, onde tratou de patentes acerca da sincronização de relógios entre estações ferroviárias. 77 anos após o nascimento de Einstein e a 421 km de Berna, em Verona, nasceu o físico Carlo Rovelli, que no seu livro “A ordem do tempo” apresenta da forma mais clara possível a ideia de que o tempo como o conhecemos morreu. Camada a camada Rovelli vai destruindo todas as ideias que temos sobre o mecanismo do tempo: não é único, não tem orientação, o presente não faz sentido no universo, e o tempo não pode ser visto como independente. Começa pela ideia de que o tempo não é único: no vale onde o efeito da gravidade é mais forte do que na montanha, o tempo é mais lento.
Na planície alentejana portanto envelhece-se mais lentamente do que no topo do vulcão do Pico.

Segue para a ideia de que o tempo não tem orientação. O passado, o presente e o futuro, não seguem necessariamente esta ordem: se eu olho para o Cesium 133 e vejo as 12:00h, é a luz que viaja dos ponteiros até aos meus olhos que eu vejo, vejo as 12h há um nanosegundo atrás, o presente nem sempre coincide. O meu presente é o passado dos outros. O que é então o tempo? O passado já não existe, o futuro ainda não existiu e o presente, existe? O que é o presente? Este preciso segundo? Este milésimo de segundo? Plank define o tempo como sendo mensurável até 10-43
segundos, para fracções inferiores é necessária uma teoria de mecânica quântica. Finaliza com a ideia de que o tempo não é independente, varia consoante um conjunto de factores como a gravidade e a velocidade. Rovelli conta várias histórias acerca dos defensores da inexistência do tempo como a de Leibniz que retirou o “t” do seu nome (antes Leibnitz) como forma de acentuar que o tempo não existe. Para Aristóteles o tempo era a medida da mudança das coisas, estava intimamente ligado às coisas, aos acontecimentos, foi Newton quem sugeriu pela primeira vez a existência de um tempo teórico e independente que flui por si só. Esta é ainda a nossa ideia de tempo. Aristóteles dizia que o tempo é o da medida das coisas, Newton dizia que o tempo flui por si só, e Einstein que o tempo não é único, nem independente, o tempo foi retirado às coisas, teorizado e depois destruído como conceito, não é um bom mecanismo para medir acontecimentos ou mudanças.
O tempo está morto. Então como funciona o universo sem tempo? O que medem os relógios?
A mecânica quântica parece ser a única solução, vamos debruçar-nos sobre as partículas muito pequenas. Todos nós sabemos que existem átomos constituídos por electrões, protões e neutrões, todos aprendemos que os electrões são partículas com carga negativa. Se quisermos observar um electrão conseguimos fazê-lo, o que nos leva a crer que se comporta como uma partícula que se pode encontrar no tempo e no espaço. Aqui também há um problema de percepção, recentemente foi sugerida a teoria de que os electrões funcionam como ondas e que quando são observados, a função de onda colapsa ou seja, quando não são observados não podem ser definidos com exatidão no espaço e no tempo. Nós somos o resultado de um aglomerado de partículas muito pequenas onde o tempo não tem lugar. Einstein matou o tempo que Newton nos deixou e que os nossos pais e professores nos ensinaram, agora resta-nos um tempo inexistente como o Cavaleiro Inexistente do escritor Italo Calvino.

O Cavaleiro Inexistente pertence à trilogia “Os nossos antepassados”, é a história de um cavaleiro que simplesmente não existia. Usava um elmo, montava um cavalo, mas não existia. Dentro da sua armadura estava tudo preenchido com nada, quando comia, visto não existir, apenas cortava a comida em pedaços cada vez menores. A divisão leva inevitavelmente à inexistência, se dividirmos as horas em minutos, os minutos em segundos, os segundos em milésimos de segundo e por aí fora até ao tempo de Plank, o tempo perde a razão da sua existência, deixa de ser perceptível. O cavaleiro dividia a comida em pedaços cada vez menores fazendo companhia aos seus companheiros até que estes terminassem as suas refeições. Após a refeição ia para a batalha onde cumpria todos os protocolos, era perfeito, preciso, implacável, tal como a ideia que temos de tempo. Um dia fartou-se de não existir, abriu o elmo e foi-se embora. Apercebendo-se desta situação um outro cavaleiro, este de carne e osso, aproveitou a oportunidade para entrar para dentro da armadura abandonada. O Cavaleiro Inexistente era perfeito e claro, tinha uma dulcineia no seu encalço, infelizmente muito apoquentada com a ideia do seu amado não existir. Foi um momento de grande felicidade quando a dulcineia conseguiu finalmente consumar o seu amor e, mesmo após descobrir o impostor dentro da armadura do Cavaleiro Inexistente, não se retraiu. A nossa ideia acerca do tempo está prestes a abrir o seu elmo e a partir. O terror será imaginar uma armadura vazia, caída no chão sem impostores de carne e osso por perto. Precisamos de uma alternativa à ideia de tempo, urgentemente! Precisamos de pensar sobre o tempo. Os relógios têm de descobrir finalmente a sua função. Existem propostas interessantes, entre elas o RM69 da Richard Mille, que une aleatoriamente palavras para criar uma mensagem, ou o Blackjack Christophe Claret que inclui uma roleta de casino funcional no verso do relógio.

Estes relógios não medem apenas tempo não medem apenas a ordem dos acontecimentos, criam novos acontecimentos. Talvez o relógio mais futurista seja aquele que retira o protagonismo à função de medir, aquele que nos apresenta sobretudo um universo caótico. O caos parece ser um bom impostor para a nossa armadura do tempo.
Belo artigo!
Muito interessante