Os relógios de Stranger Things
- Nuno Margalha

- há 3 dias
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Stranger Things é uma série de ficção científica criada por Matt e Ross Duffer e produzida pela Netflix, cuja estreia ocorreu a 15 de Julho de 2016, com a narrativa situada na cidade fictícia de Hawkins, Indiana, na década de 1980. Na série é acompanhado um grupo de crianças e adolescentes confrontados com fenómenos inexplicáveis, experiências científicas secretas e uma dimensão paralela conhecida como Upside Down. O final está anunciado e será disponibilizado em Portugal à 01h00 do dia 1 de Janeiro de 2026.
Desde a primeira temporada, a série construiu uma identidade própria, onde se cruzaram referências da cultura popular dos anos 1980 com uma mitologia progressivamente mais complexa. A quarta temporada estreou em 2022.
Embora Stranger Things não seja uma obra sobre relojoaria ou ciência do tempo no sentido técnico, o tempo ocupa um papel estrutural na narrativa. Nas primeiras temporadas, o tempo surge como tempo quotidiano, marcado por horários escolares, rotinas familiares e ciclos normais da vida suburbana americana. Esse tempo “normal” contrasta com o Upside Down, um espaço onde a progressão temporal parece suspensa ou fixada num instante do passado.
Por outro lado, a explicação da relação entre o Upside Down e o mundo “normal” remete para a teoria dos buracos de minhoca formulada por Albert Einstein e Nathan Rosen em 1935, conhecida como ponte de Einstein–Rosen, que descreve matematicamente a possibilidade de ligações entre regiões distintas do espaço-tempo através de atalhos teóricos previstos pela relatividade geral.

Na quarta temporada, o tempo passa de pano de fundo a tema explícito. O vilão Vecna associa-se directamente a um relógio de coluna, que surge como sinal de perigo iminente. Este relógio não mede o tempo; simboliza-o como algo inevitável, opressivo e ligado à memória traumática. Os próprios criadores da série confirmaram em entrevistas que este relógio constitui uma parte central do mistério da temporada.
Assim, ao longo da série, o tempo evolui de simples enquadramento narrativo para força activa, com impacto directo no destino das personagens.
Existem vários significados por detrás da aparição do relógio de caixa alta junto das vítimas de Vecna em Stranger Things, temporada 4. Um dos primeiros elementos desta temporada a ser revelado ao público foi precisamente o relógio de caixa alta (ainda em 2020), embora ninguém tivesse percebido o que a equipa de marketing pretendia comunicar com a sua presença nos vários teasers. Infelizmente para os habitantes de Hawkins, acabou por se revelar uma espécie de assinatura de Vecna, o novo vilão da quarta temporada.

Vecna não é um monstro como o Demogorgon ou o Mind Flayer, nem está interessado em Eleven ou nos seus poderes. Trata-se antes de um humanoide, uma espécie de feiticeiro sombrio, que utiliza as suas capacidades para formar uma equipa, à semelhança do que o Mind Flayer fez em Stranger Things, temporada 2, com os Demodogs. Contudo, há mais par saber do que apenas isso: Vecna não escolhe as suas vítimas ao acaso, nem as mata quando lhe apetece. O seu modo de actuação revela-se meticulosamente calculado, começa por atacar as pessoas a nível psicológico, seguindo-se as visões, antes de as arrastar para o seu domínio.
Vecna começa por atingir as suas vítimas através de dores de cabeça intensas, depois surgem hemorragias nasais e, por fim, visões relacionadas com traumas do passado. No caso de Max, essas visões materializam-se em Billy, que morreu durante a Batalha de Starcourt.
Antes de Vecna reclamar as suas vítimas, surge sempre a visão de um relógio de caixa alta, que funciona como um aviso de que lhes resta menos de um dia de vida.
Max percebeu o padrão temporal e concluiu que Chrissy e Fred (e, mais tarde, Patrick) morreram todos no prazo de 24 horas após a primeira visão. Este facto enquadra-se ainda na obsessão de Henry Creel com a ordem do mundo e na ideia de que o tempo — segundos, minutos, horas — constitui uma imposição artificial sobre a natureza.
De certa forma, foi o tempo que alimentou o seu ódio pela humanidade.

Uma teoria recorrente sugere que o relógio de caixa alta poderá funcionar como uma passagem para o Upside Down. Em Stranger Things, temporada 4, o relógio surge no interior da Casa Creel e chega mesmo a rachar (ou a partir-se por completo) nos trailers, o que sugere uma função mais profunda.
Na quinta temporada, contudo, não é estabelecido canonicamente que o relógio de caixa alta funcione como uma passagem literal para o Upside Down. O relógio mantém-se como símbolo narrativo associado a Vecna, ao trauma e à manipulação do tempo, mas não é revelado como portal físico ou mecanismo dimensional autónomo. A ideia do relógio enquanto passagem permanece, assim, no domínio da leitura simbólica e das teorias dos fãs, sem validação explícita na narrativa final.
Directora de adereços de Stranger Things
Num artigo publicado pela Hodinkee em 2020, o jornalista Danny Milton entrevistou Lynda Reiss, Prop Master responsável pelos adereços de True Detective e das primeiras temporadas de Stranger Things. A conversa revela como os relógios de pulso, longe de serem acessórios neutros, desempenham um papel subtil mas decisivo na construção das personagens e da atmosfera da série.
“Enquanto Prop Masters, ajudamos a estabelecer o lugar socioeconómico da personagem e o seu estado emocional. Há uma grande diferença entre dizer e mostrar — e mostrar é sempre melhor. Um relógio é um exemplo perfeito disso. Se a câmara sobe e a personagem usa um IWC, um Rolex ou um Omega, o espectador percebe imediatamente o seu nível económico. Se, pelo contrário, usa algo preso com fita-cola, isso diz-nos outra coisa. É esse tipo de camadas que temos de construir.”
Segundo Reiss, a escolha de um relógio ajuda a definir o contexto social, económico e emocional de cada personagem. Um modelo simples ou gasto comunica imediatamente uma realidade diferente de um relógio caro ou ostensivo. Em Stranger Things, esta lógica foi aplicada com especial cuidado, uma vez que a série decorre no início da década de 1980 e exigia coerência cronológica rigorosa.

“O problema surge quando um actor tem um acordo externo de product placement. Ouvimos coisas como ‘tenho de usar este relógio’, e eu respondo: ‘Está bem, mas a sua personagem é um argumentista falido e desempregado — não faz sentido andar com um relógio de 10.000 dólares’. Às vezes é preciso escolher bem as batalhas.”
A Prop Master explica que a primeira temporada se situa em 1981, período em que muitos relógios hoje associados aos anos 80 — como as Swatch ou certos digitais — ainda não estavam amplamente disponíveis. Por esse motivo, foi necessário evitar anacronismos e recorrer a modelos coerentes com a transição entre os anos 1970 e 1980. Ainda assim, personagens como Barb usaram um dos primeiros Swatch, justificados por uma construção narrativa específica: filha única, protegida e com acesso às novidades do consumo juvenil da época.
As crianças da série usaram sobretudo relógios digitais e calculadora, de marcas como Casio ou Timex, escolhidos pela sua verosimilhança histórica.
Reiss admite, porém, que estes relógios criaram dificuldades práticas durante as filmagens, devido a alarmes e botões accionados inadvertidamente, obrigando muitas vezes à remoção das pilhas.
Entre os adultos, destaca-se o Timex Atlantis TW2V51000 usado pelo Sheriff Hopper, um relógio utilitário com bússola integrada, coerente com o carácter pragmático e funcional da personagem.
O artigo sublinha que, em Stranger Things, os relógios não servem para chamar a atenção do espectador, nem funcionam como product placement. Pelo contrário, integram-se silenciosamente na narrativa, reforçando a credibilidade do universo ficcional e ajudando a contar a história sem palavras.
Edições especiais de relógios Stranger Things
Para além dos relógios que surgem em cena, o universo de Stranger Things deu origem a edições especiais de relógios licenciadas, lançadas posteriormente por marcas de grande difusão. Estes modelos não correspondem, regra geral, aos relógios usados pelas personagens, mas assumem-se como interpretações contemporâneas da estética da série e da cultura material dos anos 1980.
Em Junho de 2022, a Timex apresentou uma colecção cápsula em colaboração com Stranger Things, assumindo de forma explícita a estética e o imaginário dos anos 1980 que definem a série da Netflix. A parceria surge como um exercício natural de nostalgia, num contexto em que a relojoaria contemporânea revisita frequentemente o seu próprio passado.
Timex Atlantis (ref. TW2V51000)
Ambientada, como vimos, nos anos 80, Stranger Things tornou-se uma referência visual dessa década, cruzando ficção científica, terror e cultura juvenil, com uma linguagem cinematográfica que evoca E.T. e The Goonies. É precisamente esse universo que a Timex transpõe para esta colecção, recuperando três modelos históricos do seu catálogo oitentista: o Timex Camper, o Timex T80 e o Timex Atlantis.

Segundo Shari Fabiani, vice-presidente sénior de Brand Marketing da Timex, esta colaboração junta duas marcas de culto numa cápsula profundamente ligada ao momento cultural actual, e recupera assim uma das décadas mais expressivas do século XX através de design intemporal e narrativa visual.
Os três relógios incorporam grafismos e referências visuais da série, incluindo detalhes associados ao Upside Down. O Timex Camper, modelo analógico de inspiração militar usado pela personagem Lucas Sinclair, integra uma iluminação INDIGLO® com imagem oculta. Os modelos digitais T80 e Atlantis, ambos lançados originalmente no início dos anos 1980, apresentam um alarme personalizado com a melodia de Stranger Things.

A Casio, por sua vez, apresentou edições temáticas baseadas em modelos clássicos da sua linha Vintage, como o DW-5600 e o AQ-800, adaptados com pormenores gráficos e inscrições alusivas a Stranger Things. Estes relógios mantêm integralmente a arquitectura técnica dos modelos originais, distinguindo-se apenas pela linguagem visual e pela embalagem especial.
A colecção Timex × Stranger Things foi lançada em três versões em 2022 — Camper (40 mm), T80 (34 mm) e Atlantis (40 mm) — todas com um preço de 89 dólares, posicionando-se como uma edição acessível, comemorativa e claramente orientada para fãs da série e da estética retro.












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