Todos os coleccionadores já falaram certamente entre si acerca da bolha que está sempre prestes a rebentar. Estes rumores e previsões surgem nas mais diversas áreas e servem normalmente para lidar o medo da catástrofe. Será que este é um cenário possível no mercado relojoeiro?
As "bolhas" resultam normalmente de um aumento brusco nos preços dos bens, causado por algum tipo de alteração económica, política ou social. Como estes novos valores não refletem o preço real, a bolha tende a "rebentar". Daqui resulta que os preços caiem substancialmente num curto período de tempo e, muitas vezes, podem demorar anos até voltarem ao patamar "pré-bolha". No entanto, nem todo aumento de valor implica uma bolha financeira. Pode dar-se um crescimento permanente do valor destes bens.
Na relojoaria, tal como noutras áreas, é possível encontrar um padrão que se repete. Existem recessões e acontecimentos globais que reduzem o poder de compra, porém, normalmente, as coisas melhoram progressivamente, e no final, o poder de compra aumenta. Segue-se um aumento de produção por parte das marcas, a economia cai novamente, e cria-se um excedente de relógios em lojas e fábricas, o que leva a grandes descontos e ao crescimento dos mercados paralelos. Neste ponto, começa tudo de novo.
Actualidade
Actualmente existe a invasão da Ucrânia pela Rússia, o que implica custos astronómicos para muitos países, valores que têm de ser necessariamente gastos , mas que, num cenário diferente, poderiam ter sido investidos noutros sectores. Depois, há o aumento dos preços em todo o mundo devido à escassez de combustível e alimentos, causando possivelmente recessões em larga escala. E já agora convém não esquecer a COVID-19, que embora tenha reduzido o seu impacto, continua a fazer-se sentir em alguns países, principalmente na China. Tudo indica que estes factores configuram uma tempestade propícia à queda livre dos preços dos relógios.
Regresso ao passado
A última crise da indústria relojoeiro suíça não esteve relacionada com guerras nem com recessões, como todos sabemos, esteve relacionada com cristais de quartzo.
Porém, tal como a fotografia não matou a pintura, os relógios de quartzo não destruíram a relojoaria mecânica.
O aumento da procura, após a crise do quartzo, levou as marcas a aumentar a produção e investir em máquinas e equipamentos de última geração para fazer mais e mais relógios por cada vez menos dinheiro. Os relojoeiros altamente qualificados tornaram-se menos procurados à medida que foram sendo substituídos por trabalhadores em linhas de montagem. Em vez de vender relógios exclusivos de alta qualidade, as marcas confiaram cada vez mais em campanhas de marketing extravagantes. A investigação e desenvolvimento acabou frequentemente relegada para segundo plano.
As exportações de relógios suíços em número de unidades caíram constantemente na última década, de uma alta de aproximadamente 30 milhões em 2011 (29,8 milhões) para pouco mais de 20 milhões (20,6 milhões) no ano passado.
O que mudou?
Apesar de se estar a instalar a tempestade perfeita com uma turbulência global sobre a indústria dos relógios, há muitas formas de encontrar uma esperança. Enquanto os relógios nos sectores de mercado de baixo e médio porte têm lutado ao longo de muitos anos, as marcas de alta relojoaria continuam a seguir muito bem o seu caminho.
O ano de 2021 foi o mais forte de todos os tempos para a indústria relojoeira suíça . Os valores de exportação atingiram 21 380 milhões de euros, superando ligeiramente o recorde de 2014, confortavelmente à frente dos níveis pré-Covid. Embora o número de relógios enviados da Suíça tenha diminuído em três por cento em 2022, o seu valor aumentou 12%. E os relógios de alta relojoaria superaram todos os outros sectores.
De acordo com o Deloitte Swiss Watch Industry Study de 2022, “ é previsto um crescimento mais forte para o retalho de relógios no segmento entre 5 000€ - 25 000€, tal como para o segmento de > 25 000€, enquanto se espera que os o crescimento dos relógios de médio alcance estagne. Espera-se também que os relógios até 1000€ diminuam no próximo ano - este segmento compete mais diretamente com smartwatches e com as suas contrapartes estrangeiras.”
Graças à Covid-19 não está tudo pior
Assim como a crise do quartzo levou à transformação e ao renascimento da indústria dos relógios mecânicos, a crise da COVID-19 levou a uma explosão na procura por relógios de alta qualidade. O mercado global de relógios mecânicos caros aumentou, e o mercado potencial não cresceu simplesmente como um balão de hélio numa festa de anos infantil, cresceu como um enorme balão metereológico. Pessoas com carteiras saturadas e sem os tradicionais destinos para os seus gastos, como viagens, restaurantes caros, entre outros, transferiram os seus impulsos de comprador para o mercado online e entre outros produtos, compraram relógios. Não fizeram apenas compras online, com mais tempo em mãos, e também graças ao trabalho em casa, leram mais e pesquisaram mais on-line. Como a maioria dos artigos de relógios online cobre as marcas e relógios mais populares, foram estas que rapidamente esgotaram, criando ainda mais exclusividade, o que impulsionou uma procura ainda maior.
No entanto, não foram apenas as marcas de relógios mais populares que viram um aumento na procura; o mesmo aconteceu como as marcas de relojoeiros independentes, que até então eram praticamente desconhecidos para o mundo geral.
Voltando aos números de exportação mais baixos (em volume) em 2022, juntamente com os números gerais de exportação de maior valor, há esperança de que as grandes marcas tenham aprendido a controlar o excesso de produção e, mesmo que não o tenham feito, há esperança de que o excesso de procura compense em grande parte uma desaceleração do mercado.
E os independentes?
Os relojoeiros independentes estão numa posição ainda mais forte para enfrentar a desaceleração. Para muitos, se não para a maioria, a procura excede largamente a sua capacidade de produção. Muitos não têm apenas longas listas de espera, têm listas de espera fechadas. Mesmo que a procura pelas marcas menores caia para metade, é provável que isso simplesmente reduza o comprimento das listas de espera, não as elimine.
O maior risco para a nova geração de independentes não é encontrar clientes, é gerir o sucesso, e lidar com a falta de experiência na gestão de tempos difíceis. Marcas como a Urwerk, De Bethune, Grönefeld, F-P. Journe e Greubel Forsey lutaram ao longo de décadas para vender os seus relógios. Até Philippe Dufour sentiu dificuldades, numa luta contínua contra problemas de liquidez e de fornecimento. As marcas que passaram por anos difíceis aprenderam a lição. A nova geração de independentes não tem essa experiência na algibeira.
Para que não esqueçamos: o mercado secundário
E depois há o mercado secundário. No início se quisesse vender um relógio, passava-se pelos grupos de compra e venda que alguns dos fóruns tinham, e o DEZ/DEZ ainda tem, ou esperava-se que se conhecesse alguém que também conhecia alguém que estava interessado, ou então, havia leilões. Agora temos muitas casas de leilões de prestígio com grandes leilões de relógios, em todo o mundo, e há plataformas de pre-owned como Watchbox, Chrono24, eBay, Crown & Caliber e muitas outras. Até a Rolex entrou neste mercado.
Tal como o enorme mercado de carros usados ajudou as vendas de carros novos, o aumento da liquidez nas crescentes ofertas do mercado de pre-owned faz com que muito mais novos participantes no mundo da alta relojoaria se sintam mais confortáveis a dar o primeiro passo.
Conclusão
Normalmente, à noite segue-se o dia, certamente veremos uma desaceleração na procura de relógios quando, ou então, se a economia mundial se retrair (de novo). Mas a bolha vai rebentar ou apenas libertar um pouco de ar? Sem dúvida, algumas marcas sofrerão, especialmente na faixa inferior, mas calcula-se que, em geral, não seja observável uma queda profunda geral. Para os independentes, é provável que tudo isto signifique até que podem finalmente abrir de novo as suas lista de espera. Tal como as boutiques Rolex podem realmente começar a disponibilizar relógios para vender!
Ainda é do tempo em que as boutiques Rolex realmente vendiam relógios? Só o tempo dirá se vai voltar a acontecer.
O que acha que vai acontecer nos próximos dois anos?
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