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A PERPÉTUA GENIALIDADE

por: Telo Ferreira Canhão



A genialidade é intemporal. Esta é uma história sobre invenções geniais como o relógio de tipo roller ball, um pêndulo voador, ou os engenhosos mecanismos de escape de Leonardo Da Vinci e ainda, sobre algumas ligações improváveis como a de Tolkien à relojoaria.





Calendário Perpétuo Da Vinci IWC, International Watch Company,

em ouro rosa de 18K, com o número de referência IW392101.


Dados básicos


Marca: IWC

Modelo: Da Vinci Perpetual Calendar

Número de referência: IW392101

País de fabrico: Suíça

Ano de fabrico: 2022

Género: relógio de homem/unissexo


Movimento


Movimento: automático

Calibre/Movimento: 89630

Reserva de corda: 68 h

Número de rubis: 51

Destaque: calibre manufacturado inhouse com turbilhão

Caixa


Material da caixa: ouro rosa 18 K

Diâmetro: 43 mm

Espessura: 15,7 mm

Estanqueidade: 3 ATM (30 metros)

Vidro: cristal de safira

Algarismos do mostrador: árabes

Material da luneta: ouro vermelho

Mostrador: prata

Fundo: cristal de safira transparente


Funções:

  • Calendário perpétuo com indicação da data, dia da semana, mês, ano com quatro dígitos e fases da lua perpétuas;

  • Cronógrafo com função flyback;

  • Função de parar nas horas, minutos e segundos;

  • Contador totalizador de horas e minutos;

  • Ponteiro pequeno dos segundos com dispositivo de paragem;

  • Indicador de reserva de marcha.


Fig. 1 – Provável auto-retrato de Leonardo Da Vinci, c. 1512.

Giz vermelho sobre papel. Biblioteca de Turim.

A linha IWC Da Vinci nasceu em 1969 e até hoje viu dezenas de versões e estilos. O nome desta linha é uma justa homenagem ao génio universal que foi Leonardo da Vinci (1452-1519), que se destacou como pintor, escul-tor, arquitecto, cientista, matemá-tico, engenheiro, inventor, anatomis-ta, botânico, poeta, músico e, até, como gastrónomo. O renascentista da viragem do século XV para o século XVI era tão apaixonado pela medição do tempo e pelos relógios da sua época, que os seus trabalhos de mecânica influenciaram bastante a concepção dos relógios actuais, chegando a desenhar diferentes tipos de escapes e mesmo um relógio completo. Ele registou também deta-lhes de alguns materiais que seriam usados para fazer o relógio, incluindo diamantes e pedras. Embora esta linha não seja tão popular quanto as linhas Portugeiser e Big Pilot’s Watch, ela tem apresentado uma boa quantidade de inovações e pontos de referência da marca.


Este texto começou a delinear-se com a minha presença na conferência RODA Mensal de dia 16 de Julho de 2022, que teve por título «Relógios Insólitos». Foi cativante ver todos aqueles relógios, ouvir as explicações de Sílvio Pereira sobre cada peça, e conhecer a história de alguns deles. Mas, na realidade, o relógio que mais me despertou a atenção, não esteve presente fisicamente, por ser uma máquina de grande sensibilidade e de difícil acerto sempre que é deslocada. Conhecemo-lo através de um filme que o orador nos mostrou. É evidente que todos os outros relógios mereceram a nossa atenção, mas com aquele, sem que eu soubesse ainda a verdadeira razão, tive uma sensação de déjà vu. Era um relógio semelhante ao que se segue.


Fig. 2 - Relógio de bola rolante Congreve na sua caixa.


As explicações sobre o funcionamento do relógio não faltaram, mas o nome e a origem do relógio não foram referidos na apresentação. Comprovei-o no vídeo da sessão. Por isso procurei-as. Este relógio de mesa é um relógio de bola rolante Congreve (Congreve Rolling Ball Clock). Deve o seu nome ao facto de ter sido inventado pelo oficial de artilharia inglês e inventor Sir William Congreve (1772-1828), que o patenteou em 1808. Para regulador de escape, este relógio de latão tem como alternativa ao pêndulo o deslizamento ziguezagueante de uma esfera de aço de cerca de um centímetro de diâmetro ao longo das ranhuras de uma plataforma inclinada, que inverte a inclinação sempre que a esfera atinge o final de cada ciclo de 30 segundos e acciona o escape. Contudo, não é um relógio muito confiável, pois o tempo que a esfera leva a percorrer o seu caminho varia muito, dependendo da limpeza da pista e da esfera, e como a plataforma está alinhada horizontalmente, acumula facilmente alguma poeira.

Fig. 3 – Pormenor da plataforma inclinada onde rola a esfera do relógio de bola rolante Congreve.


Quando o escape é accionado, os ponteiros dos três mostradores avançam, vendo-se particularmente bem o salto de 30 segundos do ponteiro dos segundos, no mostrador mais à direita em algarismos árabes. Ao centro temos o mostrador dos minutos, também em algarismos árabes, e, à esquerda, o mostrador das horas em numeração romana.

Fig. 4 – Pormenor dos mostradores do relógio de bola rolante Congreve.


Para regularizar a força motriz transmitida à rodagem, o relógio tem um fuso onde se enrola uma corda, ou corrente, que está presa ao exterior de um tambor.


Fig. 5 – Pormenor do fuso e do tambor do relógio de bola rolante Congreve.


Obviamente que é necessário dar-lhe corda, tendo para isso uma chave. Este relógio mecânico tem uma reserva de energia de oito dias.

Fig. 6 – O relógio de bola rolante Congreve e a sua chave.


Como Congreve não era relojoeiro, teve que arranjar alguém do ramo que pudesse produzir o seu relógio.


A escolha recaiu sobre a Gravell & Tolkien, fundada em 1792 por Jonh Benjamin Tolkien (1752-1819), o trisavô de J. R. R. Tolkien, o académico de Oxford e autor dos livros de fantasia O Hobbit e O Senhor dos Anéis, e por William Gravell (1763-1844), que ao assumirem a manufactura Erdley Norton em Londres, passaram a fabricar e vender relógios sob o nome Gravell & Tolkien.

Construíram a primeira versão do relógio, movida por um peso, que Congreve apresentou ao Príncipe de Gales em 1808, doze anos antes deste ser coroado rei com o nome de Jorge IV. A segunda versão deste relógio já era accionada por uma mola e parece ter sido construída por um tal John Moxon, integrando actualmente a colecção do Palácio de Buckingham.


Curiosamente, no Museu Nacional da Escócia existe um relógio tipo Congreve feito pelo relojoeiro de Edimburgo Robert Bryson com uma placa que lhe atribui a sua realização a 1804, quatro anos antes de William Congreve registar a sua patente. Erro na data, impressa no registo da patente ou simples casualidade?







Fig. 7 e 8 - Exemplar do Museu Nacional da Escócia e ampliação da sua placa com a data de 1804.





Fig. 9 - Exemplar do Museu Britânico feito por volta de 1820. Fotografia de Mike Peel (www.mikepeel.net).


Já antes de Congreve registar a sua patente, outros dois inventores, o engenheiro francês Nicolas Grollier de Servière (1596-1689) e o fabricante de relógios alemão Johann Sayller (1597-1668), tinham testado modelos de relógios roller ball. O primeiro, embora usasse também uma só esfera, em vez de a fazer ziguezaguear fazia-a rolar em linha recta num plano inclinado ou num trilho em espiral; a versão do segundo também usava um ziguezaguear, mas numa plataforma fixa e utilizando várias esferas que corriam continuamente. Parece que Congreve não teve conhe-cimento de que os relógios roller ball tinham sido inventados anteriormente.


No dia 16 de Setembro de 2022 aceitei o convite e fui, pela primeira vez, a casa do meu colega de turma de relojoaria José Campos, ver a sua colecção de relógios. É, sem dúvida, uma excelente colecção sobretudo de relógios de parede, de pé alto e de mesa. São cerca de 300, que foi adquirindo para restaurar, caixas e máquinas, estando todos a trabalhar. Em cima da mesa de trabalho, meio montado meio desmontado, estava um relógio do tipo bola rolante Congreve. Tinha ouvido Sílvio Pereira dizer que eram máquinas raríssimas que praticamente só se encontram em museus, e que em Portugal só conhecia duas, a dele e uma outra na Casa-Museu Medeiros de Almeida. Mais surpreendido fiquei ao saber que este tinha sido feito por um português, José Maria Taborda, cujas iniciais, JMT, figuram no topo do relógio de ambos os lados, bem como um T na chave da corda. Obviamente que também este relógio trabalha, depois de ter sido alvo de um restauro trabalhoso, mas profícuo, tendo sido desmontado e montado várias vezes. Com imagens realizadas pelos dois, eis o registo do seu relógio tipo Congreve.








Fig. 10, 11, 12, 13 e 14 – Relógio de bola rolante tipo Congreve do coleccionador José Campos. Na sua campânula com a chave à frente (8); pormenores dos seus mostradores (9), da placa, do movimento (10), com destaque para o fuso, a corda e o tambor (11), e das iniciais do construtor do relógio (12).



Vid. 1 – Relógio do tipo roller ball Congreve em movimento. Propriedade de José Campos.


Esgravatando informações, fiquei a saber que estas máquinas não são únicas e estão longe de serem raras. O que não faltam são reproduções modernas de relógios roller ball do tipo Congreve. E dos mais variados preços! São fabricados sobretudo por relojoeiros e empresas inglesas, como a Comitti, que os produz numa liga de latão prateado em vez de dourado (quanto menor for a quantidade de cobre mais claro ele fica, e se se juntar ainda ao cobre e ao zinco uma percentagem de níquel obtém-se a cor prata), a David Peterson Clocks, que fabrica mesmo malas para acondicionar cada relógio produzido, ou a Thwaites & Reed, que inclui numa chapa frontal o número de unidades produzidas. Na legenda em baixo lê-se: «This is Clock Nº 49 of a Limited Edition of 100. Made in 1973 by Thwaites & Reed Limited». Certamente, Sílvio Pereira referia-se aos relógios de bola rolante oitocentistas!


Fig. 15 – Cometti.



Fig. 16 e 17 – David Peterson Clocks.





Fig. 18 e 19 – Thwaites & Reed


Do outro lado da sala encontrei outro relógio que despertou em mim uma sensação semelhante ao anterior: um relógio de pêndulo voador. Apelidado de «o relógio mais louco do mundo» devido ao movimento do seu escape, este relógio de flying ball foi inventado e patenteado por Christian Clausen de Minneapolis, Minnesota, em 1883. Originalmente foi vendido em 1884-1885 pela New Haven Clock Company, sob o nome de Jerome & Comp. Em 1935, um conhecido coleccionador de relógios, o Dr. Rowell, associou o relógio à personalidade do rato da história aos quadradinhos Krazy Kat, e chamou-lhe «Ignatz», nome porque ainda hoje é conhecido. Os relógios originais da New Haven hoje são bastante raros, mas na década de 1960 foram feitas reproduções na Alemanha, que a Horolovar Co. de Bronxville, em Nova Iorque, importou. Eram feitos em mogno e latão.









Fig. 20, 21, 22, 23 e 24 – Um relógio de pêndulo voador vendo-se no mostrador a indicação da data da patente (PATD OCT 9TH 1883), o nome da Jerome & Comp., e por baixo do VI, West-Germany (22). Na parte de trás uma chapa circular tem gravado em cima Horolovar e em baixo The Horolovar Co., Bronwille – New York, Made in Germany (24).







O relógio de pêndulo voador Jerome & Comp. Horolovar é um relógio de mesa (26 x 17 x 8 cm) com um escape de pêndulo de bola. O mecanismo é posto em funcionamento pelo trabalho de um braço oscilante. Este braço, fixo num eixo central, tem pendente um fio com uma esfera na ponta que o mantém aprumado. Ao balançar em arco, o braço faz com que o fio encontre um dos lados da barra superior de um T, com duas pontas nas extremidades, viradas para baixo, lançando o fio para um dos dois postes verticais laterais fixados à base.

Fig. 25 e 26 – À esquerda a máquina do relógio e o eixo central do pêndulo voador equilibrado no eixo interno que lhe transmite o movimento, e à direita uma vista parcial da engrenagem do relógio.


Com a força de projecção e o peso da bola, o fio enrola-se no poste até chegar à bola. A força é suficiente para imediatamente se desenrolar e balançar no sentido inverso, projectando-se para o outro poste e repetindo a operação de enrolar e desenrolar. Em termos de precisão este tipo de relógios atrasa diariamente entre 5 a 10 minutos. Há vários disponíveis na Internet. O preço e o estado de conservação variam muito.


O exemplar que encontrei em casa do José Campos, na primeira vez que o vi, não estava ainda reparado nem afinado, sendo notória a falta do ponteiro dos minutos. Entretanto essa falha foi suprimida e este flying ball já tem os seus dois ponteiros. Na chapa circular traseira, presa com parafusos de circunstância, não consta qualquer inscrição. Contudo, o mostrador tem bem visíveis a indicação da data da patente (PATD OCT 9TH 1883), o nome da Jerome & Comp., e por baixo do VI, West-Germany.























Fig. 27, 28, 29, e 30 – O relógio de pêndulo voador (27), o escape de pêndulo de bola (28), o mostrador com a indicação da data da patente (PATD OCT 9TH 1883), o nome da Jerome & Comp. e, por baixo do VI, West-Germany (29), e a chapa circular posterior sem qualquer registo (30). Propriedade de José Campos.



Víd. 2 - Relógio do tipo flying ball em movimento. Propriedade de José Campos.



Um especial agradecimento ao José Campos pela amabilidade, disponibilidade e permanente estímulo manifestados em relação a todos os meus pedidos, e à concessão de autorização para tornar públicos os seus relógios, que preparou e fotografou especialmente para o momento.


Numa deslocação a Florença, visitei o Museu Interactivo Leonardo da Vinci, onde pude ver uma série de reproduções tridimensionais de esboços e desenhos dos seus cadernos. Por outro lado, numa edição exclusiva para o Diário de Notícias do livro de Frank Zöllner, Leonardo da Vinci II. Desenhos e Esboços. Colónia/Londres/Los Angeles/Madrid/Paris/ Tóquio, 2005, que possuo, encontrei no capítulo 12, «Estudos de engenharia e maquinaria», reproduções do Codex Atlanticus, que está na Biblioteca Ambrosiana de Milão, e do Codex Madrid I, este da Biblioteca Nacional de Madrid, alguns dos quais que, de uma ou de outra forma, acabariam por ser utilizados na concepção de relógios.


Fig. 31 – Fotografia do autor da sala principal do Museu Interactivo Leonardo da Vinci, em Florença.



Fig. 32 e 33 - Estudo sobre a função das rodas dentadas e mecanismo de compensação da força de uma mola, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 7r e Ms. 8937, fol. 14r.




Fig. 34 e 35 – Estudo para o mecanismo de alarme de um relógio, que serviu também de estudo sobre a força decrescente de uma mola a desenrolar-se, e desenho de um mecanismo de relojoaria, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 15r e Ms. 8937, fol. 27v.




Fig. 36 e 37 – Mecanismo de movimento de uma roda dentada, e mecanismos para transmissão de forças de intensidade desigual, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 28r e Ms. 8937, fol. 28v.



Fig. 38 e 39 – Dispositivo mecânico para a transmissão de movimento, e mecanismo de vaivém com manivela, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 30r e Ms. 8937, fol. 30v.



Fig. 40 e 41 – Mecanismo para transmissão de forças por meio de rodas dentadas e manivelas, e estudo sobre a força mecânica de uma mola, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 31r e Ms. 8937, fol. 4r.



Fig. 42 e 43 – Estudo sobre a força decrescente de uma mola a desenrolar-se, e mola temperada com engrenagem de voluta, 1493-1497, Codex Madrid I, Ms 8937, fol. 16r e Ms. 8937, fol. 45r.



À saída, na estratégica loja do Museu, onde se procura sempre, no mínimo, um catálogo, encontrei vários modelos que, ao reproduzirem tridimensionalmente as ideias de Leonardo Da Vinci, são, indiscutivelmente, muito mais do que simples kits para brincar. Segundo as fichas técnicas de alguns destes modelos, eles não são considerados simplesmente brinquedos, mas modelos à escala destinados a serem um hobby. Trouxe uma série deles, mas só três nos interessam agora: o Da Vinci Rolling Ball Timer, o Da Vinci Flaying Pendulum Clock e o Da Vinci’s Clock.


Sobre o primeiro, o folheto no seu interior diz o seguinte: «O Rolling Ball Timer de Da Vinci foi desenvolvido a partir de um desenho do caderno de Leonardo sobre o conceito de um mecanismo de escape.

O kit usa os princípios da gravidade e da cinética para medir a passagem do tempo. Ele emprega engrenagens de precisão para alimentar uma plataforma num padrão de vaivém que impulsiona uma bola rolante. Quando concluído, apresenta conceitos relativos às leis do movimento.»


A fonte de energia deste relógio/brinquedo é um balanço em forma de braço com uma cesta onde se colocam algumas moedas até atingir o peso necessário para provocar um movimento contínuo e suave. Esse movimento também pode ser encontrado ajustando a cesta mais, ou menos, à ponta no braço, o que também faz variar a velocidade do movimento: mais à ponta é mais rápido, mais ao centro é mais lento. Puxa-se o braço para cima e, ao soltá-lo, a força da gravidade faz com que ele vá descendo transmitindo a sua energia à plataforma onde gira uma esfera metálica numas ranhuras que, num movimento de vaivém, faz a placa inclinar-se alternadamente para um lado ou para o outro. Esta esfera é o regulador, que inverte a inclinação da plataforma quando atinge o final de cada ciclo e acciona o escape desse lado. Sempre que isso acontece, um ponteiro avança na escala colocada na frente deste relógio de bola rolante.




Fig. 44, 45 e 46 – Três imagens, superior, posterior e anterior, do kit plástico do relógio de bola rolante da ITALERI, produzido segundo os desenhos de Leonardo da Vinci. Propriedade do autor.



Víd. 3 e 4 – Vista anterior e superior lateral, do kit plástico do relógio de bola rolante da ITALERI em movimento.


No folheto que acompanha o segundo podemos ler: «Leonardo da Vinci era fascinado por mecanismos de escape que medem o tempo. Ele estudou vários. Com base no seu trabalho, o kit usa as leis do movimento e um escapamento de pêndulo “voador” para manter o tempo preciso. O peso do pêndulo actua como fonte de energia do relógio.»


Também a fonte de energia deste relógio/brinquedo é uma cesta presa a uma corda onde, se colocam algumas moedas até atingir o peso necessário para provocar um movimento contínuo e suave. Depois de se dar corda na roda apropriada, a cesta vai descendo do braço elevado em que está suspensa, graças ao sistema de roldanas. A sua energia é transmitida a escape um e de pêndulo «voador» cujo movimento é o regulador do relógio. O pêndulo «voador» vai de poste em poste, enrolando-se e desenrolando-se duas vezes de cada lado, uma à volta do pino superior e outra à volta do pino inferior, seguindo depois para os postes do outro lado onde faz exactamente o mesmo. Na parte da frente do relógio existem dois mostradores, mas, no caso deste kit, não se pode dizer que sejam o mostrador dos segundos e o mostrador das horas, uma vez que o ponteiro da esquerda faz uma rotação em cerca de um minuto (60 segundos), mas o da direita faz uma rotação apenas em 30 minutos (1.800 segundos). Estes brinquedos também carecem de afinação e no vídeo podemos verificar que o kit não está perfeitamente afinado.



Fig. 47 e 48 – Duas imagens de um kit plástico do relógio de pêndulo voador da ACADEMY, produzido segundo os desenhos de Leonardo da Vinci. Propriedade do autor.


Víd. 5 – Relógio de pêndulo voador de um kit plástico da ACADEMY em movimento.


Finalmente, no folheto do terceiro kit lê-se: «O génio de Leonardo Da Vinci dispensa apresentações. Todas as suas invenções e ideias escritas por ele no Codex Atlanticus estavam em muitos sentidos na vanguarda. Muitos delas, que hoje tomamos como garantidas, são baseados nos seus pensamentos e visões. Em relação ao relógio, Leonardo da Vinci não foi o inventor, ele apenas o melhorou. O relógio tem dois mecanismos separados: um para as horas e outro para os minutos, todos feitos por uma elaborada conexão entre pesos, engrenagens e cordas.»


Os relógios mecânicos primitivos apareceram na Europa nos finais do século XIII, apenas para ritmar o funcionamento de engenhos astronómicos. Eram máquinas enormes, muito complexas e pouco precisas, colocadas no topo de torres, com indicações sobretudo astrais. Com a mudança de mentalidades e de comportamentos do Renascimento, tudo se alterou. Entre outros, surge Leonardo da Vinci que, na viragem do século XV para o século XVI, de tão apaixonado que era pela medição do tempo e pelos relógios da sua época, pensou e registou diversas idéias mecânicas que influenciaram bastante a concepção dos relógios actuais, como antes afirmámos.


Leonardo da Vinci concebeu um relógio onde encontramos os elementos essenciais de qualquer relógio mecânico: a fonte de energia constituída por um «peso-motor» que funcionava por acção da gravidade desenrolando a corda que uma chave colocada entre os dois mostradores enrolara externamente num tambor, transmitindo a energia necessária ao funcionamento de todo o mecanismo (neste relógio/brinquedo, mais uma vez é uma cesta onde se colocam algumas moedas até atingir o peso necessário para provocar um movimento descendente contínuo e suave da corda onde está suspensa; como o seu posicionamento é lateral, existe do lado oposto um contrapeso para manter o relógio equilibrado); o contador, simultaneamente transmissor, constituído por um conjunto de rodas dentadas e carretes, designados por rodagem, que, graças ao número de dentes de cada uma, determina a quantidade de voltas que cada peça deve executar num determinado espaço de tempo, transmitindo aos órgãos seguintes o movimento rotativo que recebe da fonte de energia; o oscilador, que divide o tempo em fracções muito pequenas e iguais, era uma barra horizontal com pesos em ambas as extremidades que ao serem deslocados ao longo da barra aumentavam ou diminuíam o ritmo das oscilações ─ mais lento nas pontas e mais rápido ao centro ─, a este balanço chamava-se foliot, e ele oscilava sobre um eixo vertical que funcionava como um escape de vara, em que duas patilhas com que terminava em baixo serviam para mover as duas grandes rodas com pinos salientes, que embora fossem diferentes da roda catarina tinham a mesma função de transmitir movimento ao foliot; o indicador onde se podiam ver as unidades de tempo medido que, neste caso, era constituído por dois mostradores onde se podiam registar o andamento das horas, no maior em cima, e dos minutos, no mais pequeno em baixo, que dá 60 voltas enquanto o das horas dá uma volta. Embora se possa dizer que são os mostradores das horas e dos minutos, este kit no vídeo não está afinado de forma a contar com precisão as horas e os minutos. Aliás, nem o seu movimento é constante e equilibrado. Isto são brinquedos de plástico e, não têm qualquer veleidade em serem precisos. Servem apenas para verificar a genialidade de Leonardo Da Vinci.



Fig. 49 e 50 – Duas imagens de um kit plástico do relógio de Da Vinci, da ITALERI, produzido segundo os desenhos de Leonardo. Propriedade do autor.



Víd. 6 – Relógio de Da Vinci de um kit plástico da ITALERI em movimento.


Em conclusão, o modelo da IWC Da Vinci Perpetual Calendar é uma justa homenagem ao génio de Leonardo Da Vinci, que não conhecia limites e ia muito para além da relojoaria, sendo notório que uma boa parte dos seus contributos alteraram a nossa forma de ver o mundo. Felizmente para nós, Leonardo tinha como uma das suas principais motivações conhecer o funcionamento de tudo, propor soluções de alteração, ou melhoramento, e explicá-las e registar todas essas explicações, o que se tornou determinante para agora, mais de cinco séculos depois da sua morte, não termos dúvida sobre a sua criatividade. Por seu lado, os registos da patente de Sir William Congreve, em 1808, e de Christian Clausen, em 1883, justificam-se porque a partir da industrialização, ter um direito exclusivo sobre uma invenção, isto é, sobre uma solução técnica para resolver um problema técnico específico, tornou-se fundamental. Assim, o titular da patente fica com o direito exclusivo de produzir e comercializar uma invenção, divulgando-a publicamente e podendo contratar com outros a sua utilização, mediante as condições que forem decididas entre ambos.


Contudo, numa época em que não existia nada disso, estas soluções técnicas já tinham sido abordadas por Leonardo, como resultado da propensão que desafia a curiosidade: a criatividade. A sua insaciável curiosidade só era igualada pela sua imensa capacidade de invenção. E mesmo sabendo que a maioria dos seus projectos não saíram do papel, é inegável o reconhecimento do seu contributo para a ciência em múltiplos ramos. Leonardo antes de aceitar qualquer ideia fazia questão de testá-la de várias formas para tirar as suas conclusões, sendo mais tarde imitado neste seu empirismo por homens como Galileu Galilei (1564-1642) que, no início do século XVII, concebeu modelos de pêndulos e de escapes aplicáveis aos relógios.


Embora seja frequentemente designado como percursor da aviação e da balística, não podemos dizer que Leonardo da Vinci tenha inventado o relógio, porque todos sabemos que isso não é verdade. O que ele fez foi estudar uma série de mecanismos que permitiram melhorar a concepção dos relógios, chegando a projectar um relógio que pretendia que fosse mais preciso do que os que eram conhecidos até então.

Alguns desses mecanismos acabaram por ser incluídos e permanecem nos relógios actuais, mas o Congreve Rolling Ball Clock e o Horolovar Flying Ball Clock, embora tenham sido bons momentos de imaginação, na realidade não passam de relógios insólitos que apenas fazem as delícias dos coleccionadores e admiradores das máquinas de medir o tempo que são diferentes. Mas é isto que caracteriza a genialidade: ter deixado uma marca. E Leonardo deixou muitas!


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